Por Joaquim de Carvalho, publicado em DCM –
Na entrevista que deu à IstoÉ, Fernando Henrique Cardoso disse duas verdades: ele admitiu que pede dinheiro para grandes empresas e falou que, entre os cenários eleitorais, a vitória do PT garante a estabilidade.
“O risco vem do pólo à direita. As declarações do candidato Jair Bolsonaro nos assustam. Ele é autoritário. Tem feito declarações autoritárias. É preciso que o Brasil não tenha também um governo imprevisível e arbitrário. No caso do Ciro Gomes, eu não posso dizer que ele seja de direita ou de esquerda. Ele não é uma coisa, nem outra. Ele é mais errático, portanto, é imprevisível”, afirmou.
Disse ainda, sobre a proposta de buscar um consenso que exclua os extremistas:
“Temos que evitar uma volta ao passado. Eu não me refiro tanto ao lulopetismo, do risco do PT voltar a governar, porque a gente já tem experiência do que é o PT no poder. Não acredito que eles quebrem as regras e rumem para o viés autoritário. O risco vem do pólo à direita.”
Fernando Henrique completa hoje 87 anos e mantém a lucidez, com a característica pessoal que não veio com a idade: sua fala não guarda nenhuma coerência ideológica. Já teve um verniz de centro-esquerda, mas sua prática política sempre atendeu a interesses do grande capital. O que ninguém lhe nega é a capacidade de análise conjuntural — até pela experiência que teve, como professor e político — e aí se chega ao ponto em que ele verbaliza o entendimento de que o PT é hoje um fator de estabilidade.
Esse não é um entendimento próprio de FHC, mas das forças empresariais que pensam no Brasil além do curto prazo. Desde que começou a campanha de guerra para tirar Dilma do poder e depois prender Lula, essas mesmas forças buscaram um nome que pudesse garantir estabilidade e ignoraram que a estabilidade existia com Lula e Dilma. O que produziram? Nada, nenhum nome viável, embora tenham tentado muitos.
E, depois de toda tempestade, quem ficou de pé? Lula, com uma densidade política indestrutível. E por que indestrutível? Porque tem base social e porque é o resultado de uma obra concreta — um governo que incluiu os pobres no orçamento da União e e se voltou para políticas de redução da desigualdade social. Teve defeitos, claro, mas no essencial melhorou o Brasil.
A crise política que o país enfrenta não será superada se Lula for excluído, à força, do processo político. Não digo nem ser candidato — o que é desejo dos eleitores —, mas primeiramente ser libertado de um cárcere percebido como injusto — e de fato injusto. Depois, de maneira plena, participando do processo eleitoral. Lula, como líder do maior partido brasileiro, tem a oferecer que é mais importante para a economia e a vida em sociedade: previsibilidade.
Lula é, portanto, solução neste momento de crise, não um problema. Sem ele, o Brasil ficará à mercê de aventureiros e de aventuras.
Sobre a confissão de FHC de que pedia dinheiro a empresários para candidatos do seu partido, é preciso reconhecer que ele o fazia dentro das regras — combatidas pelo PT, pelo menos em público — de financiamento empresarial para as eleições.
Lula nunca pediu dinheiro a empresários, mas sabia que seu partido passava o chapéu, como todos os outros. Nunca pediu dinheiro a empresários certamente porque tem consciência de que isso tornaria menor a sua liderança. A vocação de Lula é política e, portanto, pela disputa de poder, não é negociar recursos.
Tanto ele quanto FHC sabem que nenhum empresário faz doação eleitoral pela cor dos olhos de quem pede. É um jogo de interesses. FHC diz que pediu dinheiro quando estava fora do poder e, portanto, não houve toma lá, dá cá. É preciso registrar que ele pediu para candidatos amigos e também para si próprio, na forma de doação para a fundação que leva seu nome. Mas não deve ter havido toma lá, dá cá mesmo. Não é assim que as coisas funcionam na política.
Toma lá, dá cá é para os políticos de várzea.
Na esfera mais elevada da política, a doação empresarial é o exercício da arte de permanecer próximo de quem influencia.
É a mesma coisa das empresas que tentaram vender um triplex a Lula ou reformaram o sítio do amigo que o ex-presidente frequentava. Lula também estava fora do poder — e, portanto, não podia haver toma lá, dá cá.
Mas quem ajudou a ambos queria que soubessem de sua proximidade com o ex-presidentes.