Filme de Olhos Abertos fala do jornal que é a “boca” dos moradores de rua

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, exibe uma crônica, mais uma vez, sobre filme (está virando cronista de cinema, este César).

Leiam o texto, assistam ao filme no Youtube:




“É empolgante o documentário “De olhos abertos”, que fala do “Boca de Rua”, jornal impresso feito e comercializado por um grupo de moradores de rua de Porto Alegre.


A julgar pelas cenas de reunião e discussão das pautas, há um respeito pelas decisões do grupo que nos falta nos dias de hoje. Fica difícil não questionar os nossos métodos de trabalho, as nossas reuniões, as nossas gestões. Eu, professor e morador de prédio de apartamentos, sei muito do que estou falando a respeito deste instinto policial que parece estar sempre à espera de oportunidade propícia para aflorar, como se precisássemos de xerifes para pôr ordem na casa.


Por intermédio de seus depoimentos, o filme nos revela o mundo da população de rua. Não somente as tristezas, as agruras, os vícios, o frio e a fome, mas também a solidariedade, a grandeza de espírito, a inteligência e o autoconhecimento. Como frequentemente ocorre em tais casos, a conclusão é de que pouco sabemos a respeito de pessoas para além de nossas bolhas. E quando se trata de população de rua, é como se elas fossem invísiveis ou apenas uma mancha encardida no cenário.


Por isso, é preciso reconhecer que elas também são cidadãs, hoje e sempre. Um prato de comida e um leito em um abrigo são muito importantes, especialmente para quem não os tem. Mas creio que um projeto como o do “Boca de Rua” dá dignidade à pessoa, que se torna capaz de participar em tomadas de decisão, isto é, de ter voz. Como se sabe (ou se não se souber que se saiba), é preciso ser visto e ser escutado para se viver bem.


Eu fiquei olhando para Porto Alegre enquanto o filme rolava. Vi a jornalista Rosina Duarte chegar em um fusca vermelho. Anotei a placa da Avenida Marechal Floriano Peixoto e descobri que ela fica no Centro Histórico de Porto Alegre. Eu não resisto a um centro histórico, eu sou daqueles que têm por monumento as pedras pisadas no cais. Quer dizer, gosto de ser um sujeito comum, só que comum não quer dizer o mesmo que ser invisível ou desprezado.


Acho que tudo isso me chamou a atenção para uma pergunta que apareceu no filme e que vem a calhar em época de eleições municipais: “O que tu diria para o prefeito?”, um dos integrantes do jornal questiona. Eu achei um exercício muito válido.

Taí, o que eu diria para o Eduardo Paes ou para Tarcísio Motta? Beleza. Lá vai a pergunta:
Senhor candidato, quais são suas propostas para dar visibilidade, dignidade etc. e tal para pessoas da classe trabalhadora como eu, que não têm sido ouvidas, que têm se tornado forçosamente invisíveis, mas que, a despeito disso tudo, jamais cairiam em esparrelas de líderes autoritários? Como é que eu faço para encontrar a minha turma neste bololô todo?


Pergunta difícil de sair, de dar bolo na garganta. Sinto-me isolado e pouco produtivo, sigo em frente, não há outra maneira. E mais, senti vontade de ser leitor do “Boca”, ainda que minha versão do jornal seja em PDF. O documentário contribuiu deveras para que eu me cogitasse uma assinatura. Aliás, eu não sei quanto a vocês, mas sinto falta de um jornalzinho impresso.


Como se não bastasse, o filme tem uma trilha sonora trilegal. Itamar Assumpção e Naná Vasconcellos e Douglas Germano, entre outras feras. Enfim, é coisa boa.


O filme foi lançado em 2020, isto é, ano de pandemia. E por isso me pergunto: o que foi feito daquelas pessoas? Se o número de mortes da população de rua é enorme, avalie em situação de pandemia.

Seja como for, as qualidades do “Boca de rua” não são da boca para fora. Trata-se de empoderamento, geração de renda, conscientização e inclusão social, sem as quais se compromete seriamente a cidadania.

“De olhos abertos”. Documentário. Diretor: Charlotte Dafol. Disponível no YouTube.”

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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