Por Mário Bentes, publicado em Jornal GGN –
Certeza que muitos amigos e conhecidos têm as melhores das intenções, certamente para tentar não alimentar ainda mais a polarização esquerda-direita, mas esse discurso neutralizador ideológico não é apenas despolitizado quanto perigoso.
Vejam bem: Marielle Franco, uma vereadora, mulher, negra, da periferia, filiada a um partido de esquerda, com bandeiras de esquerda, atuante 100% dentro de seu espectro político, foi EXECUTADA por sua vivência em convicções clássicas e históricas de esquerda.
Não mataram apenas a pessoa de Marielle e seu motorista, mas quiseram silenciar uma linha de atuação. É um recado evidente para todos os demais: calem-se, fiquem onde estão, aceitem. Ou morram.
Marielle ousou sair dos escombros das vítimas para colocar seu discurso em prática. Ousou sair da favela para ser aprovadas nas universidades, ousou disputar e vencer eleições. Ousou gritar. Ousou tentar mudar a realidade. Ousou até onde incomodou demais e, POR ISSO, foi morta.
Sei que não vão concordar, afinal já devem estar vacinados do velho discurso ideológico arcaico. Mas façam uma análise minuciosa desse discurso e percebam: nas raízes mais profundas do DNA do discurso neutralizador, existem muitos riscos.
É onde começam as anulações do feminicídio (“mas homens também são mortos e estuprados, não é só mulher”), da homofobia (“héteros também morrem, não é só gay”) e do racismo (“precisamos de consciência humana, não só negra”).
Não se preocupem: é possível reconhecer publicamente as claras evidências POLÍTICAS e IDEOLÓGICAS da execução de Marielle Franco, sobretudo no cenário em que vivemos, sem mergulhar na polarização.
Mas negar isso apenas para se manter isento da polarização é matar a memória de Marielle, pois seu corpo já está na pilha de corpos negros cujo sangue escorre dos morros.