Foi uma bola que passou em minha vida

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Por Sergio Pugliese, foto de Marcelo Tabach e vídeo de Daniel Perpétuo, em Museu da Pelada – 

Quando ele abriu a porta “Tudo se transformou”!!! Impossível descrever a emoção de estar frente a frente com Paulinho da Viola. Talvez tenha sido a mesma vivida por ele ao abrir a porta do camarim do Teatro Clara Nunes, após um show, e dar de cara com Ademir Menezes, o Queixada, lendário centroavante do Vasco, dos anos 50. Olhos arregalados, boquiaberto, só conseguiu balbuciar: “você foi meu botão”. Tímido, não consegui “Jurar com lágrimas” que ainda tenho alguns vinis seus. E tenho mesmo, inclusive o meu preferido: “Foi um rio que passou em minha vida”. Embalou minha adolescência!!! Além da faixa título, ouvia repetidamente “Meu Pecado”. Cá entre nós, meu pecado foi não ter levado o disco para ser autografado. Mas “Para não contrariar você”, afinal “Não quero você assim”, vou parar com essa “Lamentação”, esse “Papo Furado” porque “Estou Marcado” é para falar sobre pelada, “Nada de novo”. Agora que já consegui a gracinha de citar todas as músicas desse discaço, verdadeira obra-prima, posso iniciar a coluna! Ah, faltou “Mesmo sem alegria”? Esquece!!! No Museu da Pelada não tem espaço para tristeza e, seguindo essa filosofia, o mestre Paulinho gargalhou ao lembrar-se do dia em que foi capturado pela polícia e ficou rodando na rádio-patrulha em busca da bola de borracha, uma preciosidade, que vivia quebrando as vidraças das casas da Pinheiro Guimarães, em Botafogo.

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– Mas nesse dia a bola entrou na pensão da Dona Laura, que chamou a polícia. O filho dela, o Ivan, jogava conosco – recordou. 




A regra entre os amiguinhos era claríssima, jamais revelar o esconderijo da redonda porque quando os “hômis” a capturavam metiam a faca, impiedosamente, e ainda alertavam que lugar de futebol era no Maracanã. Nesse dia, Paulinho rodou no banco de trás da patrulhinha por algumas ruas de Botafogo, tremendo constrangimento, mas não entregou os pontos, no caso a bola. Sem dúvida, sua primeira demonstração de fidelidade e amor à bola, uma relação que nunca estremeceu e até hoje mantém-se acesa. Mas se fosse necessário discutir a relação as resenhas estavam ali para curar qualquer mimimi. Aprendeu a receita com o paizão, o violonista Benedito César Ramos de Faria, o meio-campo Bené, do Amigos Praia Clube, timaço da Praia do Leme, que saía das partidas direto para a Cervejaria Alpino.

– As balizas, que naquela época não eram fixas, ficavam guardadas no subsolo do Alpino – contou.

Daquele tempo, menino, lembra-se do folclórico Baiano, que certa vez salvou uma pelada de forma inusitada. Nenhum jogador teve coragem de retirar do centro do campo um alguidá, pote de barro usado para guardar oferendas, e iniciaram a partida com ele ali mesmo. Mas Baiano chegou, pediu licença aos orixás, resgatou o pote com bebidas, rosa e farofa e aproveitou as ondas para presentear Iemanjá. Bons tempos!!! Sorriso manso, recordou-se de Álvaro, Alemão, Mineiro, o zagueiro que vangloriava-se por distribuir pancadas, Gui, Galinho, Lulu e Zezinho. Aos poucos, Paulinho conquistou uma vaguinha no meio-campo.

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– Não era um Paulo Henrique Ganso, mas não fazia feio – avaliou-se.

No Amigos Praia Clube ninguém ficava de fora e 20 jogadores para cada lado era habitual. Mesmo assim a divisão era sempre equilibrada. Mas ele lembra-se bem de passar partidas inteiras sem praticamente tocar na bola. Após a ressaca a areia sumia. Tinha um árbitro, mas o nome não veio. Era sempre sábado, às 16h. Ah, tinha os filhos de Gustavo, os gêmeos Arroz e Feijão. Nunca jogavam juntos! O goleiro Gavilan não saía bem nos cruzamentos e, certa vez, num treino, Paulinho aproveitou-se dessa limitação para guardar o seu, de cabeça. Prazer, Paulinho!!! Como numa sessão de regressão, olhos fechados, Paulinho tirou do baú as caminhadas com pai, pela areia, do Posto 6 ao Forte de Copacabana. Inesquecíveis, acolchoadas num cantinho do coração. Poeta, sensível, lembrou-se de Baiano, quase cego, acompanhando as partidas sentadinho na mureta.

– Ia lá para ouvir a pelada, queria estar junto. 

Também jogou no Walmap, time do Banco Nacional, e no Xulé, com Nei Murce, o ex-botafoguense Neivaldo, João Araújo, na época presidente da Som Livre, e Dininho, baixista que até hoje o acompanha nos shows. Os jogos eram no campo da Cedae, em São Cristóvão. Era sempre convocado pelo produtor musical Armando Pittigliani para atuar pelo time dos cantores e, certa vez, jogou no Maracanã contra os artistas. Sérgio Chapelin no gol adversário. “Divisão desigual”, alegou: 11 x 1 para eles. Mas orgulha-se de, jogando pela Portela, ter arrancado um empate com a Mangueira, no campo inimigo. Mas tinha Waltelino, Marcílio, Walmir, Anísio, Vandeco, Luiz da Bolinha, Vandeco, Nani e Janmbelê, filho da Vicentina. Lamenta a escassez de campos de pelada e citou alguns de seus preferidos, todos no subúrbio: Rio-São Paulo, Sete de Setembro, Brasil Novo, Nova América, Diana, Monte Castelo, Corações Unidos e Atlético.

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– Por que o fotógrafo está tão inquieto? – perguntou Paulinho.

Era Marcelo Tabach circulando pelo jardim da casa do cantor, no Itanhangá. Viajava, imaginava “a” foto quando deparou-se com uma cadeira de balanço na varanda. Pensou em homenagear Walter Firmo, que clicou Pixinginha estirado numa cadeira igual, com seu saxofone dourado. Pixinguinha tocou muito com o pai de Paulinho, tudo a ver!!! Negociação daqui, argumentação dali, Paulinho topou. Sem relógio, chinelos, abraçado com a bola, Paulinho mergulhou no túnel do tempo e na ideia de Tabach. Tabelinha perfeita! De repente, Paulinho lembrou-se de seu time de botão feito por ele mesmo, com casca de coco. Só restara um craque, Eli do Amparo, do Vasco de 50. “Vou pegá-lo!”, disse, enquanto levantava-se da cadeira, saía de cena e corria para o quarto em busca do brinquedo preferido.

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