Fome no mundo cresce e volta aos patamares de 2015

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Projeções da ONU revelam que meta de acabar com insegurança alimentar até 2030 não será alcançada

Por Agostinho Vieira, compartilhado de Projeto Colabora




Criança, no colo da mãe, examinada por desnutrição em hospital do Sudão do Sul: fome atinge 800 milhões de pessoas (Foto: Unicef/Divulgação)

É verdade que ninguém estava levando muito a sério essa meta, mas agora é oficial: a fome, no mundo e no Brasil, não será erradicada até 2030. A sentença, uma espécie de atestado de falta generalizada de vergonha, faz parte do relatório “The state of food security and nutrition in the World”, divulgado esta semana pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura). Em resumo, o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável de número 2 diz que é preciso, até 2030, “acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável”. Nada disso vai acontecer. Muito pelo contrário. Depois de permanecer praticamente inalterada desde 2015, a insegurança alimentar no mundo saltou de 8% para 9,3% entre 2019 e 2020. Em 2021, subiu mais um pouco, chegando a 9,8%. Segundo o estudo, entre 702 milhões e 828 milhões de pessoas foram afetadas pela fome em 2021. O número cresceu cerca de 150 milhões desde o início da pandemia de covid-19, sendo mais 103 milhões de pessoas entre 2019 e 2020 e mais 46 milhões em 2021.

As projeções da ONU revelam que, em 2030, cerca de 670 milhões de pessoas (três vezes o tamanho da população do Brasil) ainda estarão enfrentando o flagelo da fome. O equivalente a 8% da população mundial, mais ou menos o mesmo percentual de famintos que existia no mundo em 2015, quando as lideranças de 195 países assumiram o compromisso de cumprir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Entre eles, o de acabar com a fome.

Aliás, por falar em Brasil, o relatório da FAO confirma o que já sabíamos, o país voltou a ter um lugar cativo no Mapa da Fome, com mais de 61 milhões de brasileiros vivendo com algum nível de insegurança alimentar. Traduzindo: as pessoas não sabem se terão o que comer no fim do dia ou no fim do mês. Em junho, um estudo sobre insegurança alimentar no Brasil já registrava que 33,1 milhões de brasileiros estavam passando fome e que mais da metade da população (58,7%) convivia com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave. Basta andar pelas ruas das grandes cidades para confirmar as estatísticas.

No Maranhão, mulher cozinha alimentos recebidos por doação: pobreza extrema, desemprego e comida mais cara contribuem para volta do Brasil ao Mapa da Fome (Foto: Eanes Silva / Divultação / ActionAid)
No Maranhão, mulher cozinha alimentos recebidos por doação: pobreza extrema, desemprego e comida mais cara contribuem para avanço da fome que atinge 33 milhões de brasileiros (Foto: Eanes Silva / Divulgação / ActionAid)

Como se já não bastasse a dramaticidade dos números gerais, o levamento da FAO destaca as disparidades regionais e de gênero. Em 2021, por exemplo, 31,9% das mulheres do mundo enfrentavam insegurança alimentar moderada ou severa, contra 27,6% dos homens. A diferença aumentou de 3 pontos percentuais em 2020 para 4 pontos percentuais em 2021. Essa desigualdade é ainda mais evidente na América Latina e no Caribe, onde a diferença entre homens e mulheres ficou em 11,3 pontos percentuais: “Crianças em ambientes rurais e famílias mais pobres, cujas mães não receberam uma educação formal, estão mais sujeitas à subnutrição e à fome. Em 2019, quase uma em cada três mulheres com idade entre 15 e 49 anos foi afetada pela anemia. Crianças que vivem em áreas urbanas, com maior poder aquisitivo, correm mais risco de sofrer com a obesidade”, diz o relatório.

Quase 3,1 bilhões de pessoas não puderam pagar por uma alimentação saudável em 2020. São 112 milhões de pessoas a mais do que em 2019, o que reflete a inflação nos preços dos alimentos ao consumidor provocada pelos impactos econômicos da pandemia de covid-19 e das medidas adotadas pela contê-la. O documento das Nações Unidas conclui dizendo que não “há qualquer dúvida de que o mundo está retrocedendo em seus esforços para acabar com a fome, a insegurança alimentar e a desnutrição em suas diversas formas”.

A oito anos de se alcançar o marco de 2030, ano das metas dos ODS, a distância entre o falar, o prometer e o fazer segue aumentando, enquanto o tempo diminui. Há esforços, sem dúvida, em direção ao cumprimento da Meta 2 dos ODS, mas eles são extremamente tímidos. Especialmente quando se considera o contexto geral, com emergência climática, ameaça de novas pandemias, guerras e crises econômicas. Uma recomendação chave do relatório é para que “os governos comecem a repensar como realocar seus orçamentos públicos para torná-los mais rentáveis e eficientes na redução do custo dos alimentos nutritivos, garantindo a disponibilidade e acessibilidade de dietas saudáveis para todos. Sem deixar ninguém para trás”. Esse é o tamanho do desafio.Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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