Manaus (AM) – Os imigrantes haitianos residentes na capital do Amazonas somam cerca de 500 pessoas, de acordo com a Pastoral dos Migrantes da Arquidiocese de Manaus. Eles vivem em abrigos ou em casas com aluguel pago pela entidade ou por eles mesmos. Como a maioria são trabalhadores informais: vendedores ambulantes nas ruas – comercializam verduras e frutas, acessórios de vestuário, picolé, ou prestam serviços de limpeza e pedreiro, entre outras atividades -; eles estão entre a parte da população que não cumpre o período de quarentena, recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), por causa da pandemia do novo coronavírus. Até o momento, não há uma política pública do governo brasileiro de apoio aos imigrantes e refugiados para o enfrentamento da Covid-19.
Gloriane Aimable Antoine, de 37 anos, é zeladora em um prédio residencial junto com o marido, que desempenha a função de recepcionista. O casal, que tem três filhos com idades de 14, 12 e 10 anos, mora desde julho de 2012 na zona norte da capital amazonense. Gloriane deixou a carreira de professora no Haiti em busca de melhores condições de vida no Brasil, após o terremoto em seu país ocorrido há dez anos.
Ela conta que vai e volta de ônibus de casa para o trabalho e que, por isso, tem o cuidado de andar com álcool em gel na bolsa e usar máscara cirúrgica para evitar ser infectada pela Covid-19. “Eu limpo até o assento do ônibus com álcool. Assim que desço, higienizo até o celular e, claro, também tenho cuidado de não tocar o rosto”, relata.
Gloriane Antoine lava as mãos com água e sabão
A imigrante disse que se sente apoiada no local onde trabalha por ter a possibilidade de tomar banho e trocar de roupas ao começar e ao terminar o expediente. “Limpo todas as superfícies onde toco e onde as pessoas tocam seja um telefone, o botão do elevador ou o carrinho de levar compras”.
Para Gloriane, o transporte público é um local de risco de contaminação do novo coronavírus. “Como o número de pessoas na rua diminuiu, reduziram a frota de ônibus também. Então a gente espera por mais tempo na parada de ônibus e, quando ele passa, vai mais lotado. Seria bom que os usuários tivessem a possibilidade de manter uma distância segura uns dos outros”, afirma.
Quando ela chega do trabalho em casa, o cuidado é redobrado. “Chego em casa e não cumprimento ninguém antes de tomar banho e trocar de roupa. Antes da pandemia do novo coronavírus eu já tinha mania de limpeza, hoje tenho três vezes mais”.
Ela disse como mudou a relação de cumprimentos com os filhos. “Antes disso tudo acontecer [a pandemia], eu e minha família vivíamos aos beijos e abraços, pois temos crianças em casa. Agora, os carinhos são feitos com cotovelos e os cumprimentos com pés. Ainda bem que as crianças acham engraçado e se divertem”, conta. Na casa de Gloriane mora ainda dois irmãos, um sobrinho de 16 anos e um amigo.
Segundo a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVA), o número de casos do novo coronavírus confirmados no estado é de 229 – até essa quinta-feira (2). Desse total, 205 casos são em Manaus e 24 em nove municípios. Foram registradas cinco mortes pela Covid-19. Veja os dados por municípios na plataforma Brasil.oi .
Suspenso o acolhimento de novos imigrantes
Haitiano trabalha como ambulante vendendo meias no centro de Manaus (Foto: Kátia Brasil/Amazônia Real/13-3-20)
Por causa do avanço da disseminação da Covid-19 no Brasil, a Pastoral do Migrante, entidade ligada à Igreja Católica, em Manaus, decidiu não receber mais imigrantes nas casas de acolhimento. De acordo com o coordenador da entidade, padre Valdecir Molinari, sem orientações diretas vindas do Ministério da Saúde, a Igreja Católica optou por seguir as normas adotadas pelas pastorais na América do Sul.
“Nossa orientação agora é que, nas casas onde já tem imigrantes, que a gente não acolha mais gente durante essa crise; pelo menos até passar esse período de cautela”, revela o padre Valdecir.
“Para prevenção, estamos promovendo rodas de conversa onde são passadas as recomendações, principalmente sobre a higiene e para evitar aglomerações”, acrescenta ele.
Evitar aglomerações de pessoas é a parte mais difícil, segundo o padre, pois a realidade dos haitianos é diferente, uma vez que a maioria deles precisa trabalhar, literalmente, na rua. “Nós damos apoio, mas não podemos determinar ações na vida deles. O importante é que eles se ajudem entre si e, principalmente, que avisem se alguém estiver doente, precisando de ajuda”.
Todos os dias, 70 haitianos que participam do projeto da fábrica de picolé “Haitilícia” saem para vender o produto pelas ruas de Manaus. De acordo com o padre, a atividade garante a eles autonomia financeira.
Com relação aos acolhimentos, a Pastoral do Migrante atende a cerca de 120 famílias de haitianos em Manaus com recursos da Congregação dos Padres Missionários de São Carlos, da Paróquia de São Geraldo, doações de fiéis e parceiros. A entidade mantém três casas de acolhimento: uma no bairro Santo Antônio, na zona oeste, que está em reforma para acolher 70 pessoas; a segunda no bairro Zumbi, na zona leste, onde moram 34 pessoas, mas comporta até 40; e a terceira no bairro Monte das Oliveiras, zona norte, que abriga mais de 20 venezuelanos. Além disso, a entidade mantém uma creche que atende 34 crianças, enquanto os pais trabalham.
Terremoto provocou a imigração
Haitianos em Brasileia, no Acre, em 2014 (Foto: João Paulo Chaeleaux/Conectas/Fotospúblicas)
No final da tarde do dia 12 de janeiro de 2010, o Haiti sofreu um terremoto de 7 graus na escala Richter que matou pelo menos 230 mil pessoas. Mais de 1,5 milhão de haitianos ficaram desabrigados. O desastre provocou um grande fluxo migratório do país, localizado na parte ocidental da ilha de São Domingos, no mar do Caribe, para países como a República Dominicana, Equador, Bolívia, Peru e Brasil.
Entre as fronteiras do Acre e Amazonas, o governo federal estimou que cerca de 72,4 mil haitianos migraram para o país entre os anos de 2010 a 2016. Os deslocamentos continuam, em quantidade menor, mesmo neste momento de pandemia da Covid-19.
“Pela Pastoral do Migrante passaram mais ou menos 8 mil, mas por Manaus, uns 12 mil”, lembra o padre Valdecir Molinari, que acompanhou a onda migratória e deu assistência a diversos haitianos no momento mais crítico da situação, quando os recém-chegados chegavam a dormir na calçada ao redor da Paróquia de São Geraldo, por não haver espaço para acomodá-los nas dependências na igreja.
“Nos primeiros anos, de 2010 a 2014, eles vinham sem visto, sem documentos, praticamente ilegais, quando chegavam aqui se registravam. Mas era um caminho perigoso e caro, pois eles saiam do Haiti e iam para a República Dominicana, de onde seguiam para o Panamá até o Equador e entravam no Peru. Aí vinham para o Brasil pela fronteira com o Amazonas, em Tabatinga ou pelo Acre, que foi de onde partiu o maior fluxo”, recorda o padre.
“No Governo Dilma (Rousseff, ex-presidente da República), uma lei permitiu que eles tirassem o visto no Haiti, o que possibilitou uma entrada mais tranquila e segura. Mesmo assim, é bom destacar, que nenhum haitiano ficou de maneira ilegal no Brasil, pois receberam visto humanitário”, diz Molinari, destacando que muitos haitianos foram morar em cidades das regiões Sudeste e Sul do país em busca de emprego.
O que é a pandemia de coronavírus?
Pandemia: imagem da praia da Ponta Negra praticamente vazia, em Manaus. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o novo coronavírus, o SARS-CoV-2, faz parte de uma família de vírus que causa infecções respiratórias e foi identificado em 31/12/19, após casos registrados na China. Ele provoca a doença Covid-19.
A contaminação pela Covid-19 se espalha de maneira semelhante à gripe, pelo ar após a tosse, coriza e a liberação de gotículas de quem está infectado.
Os sintomas são: febre, tosse, coriza e dificuldade para respirar. Procurar uma unidade de saúde é a primeira atitude a tomar neste caso.
O quadro da pessoa infectada com o coronavírus pode se agravar para uma pneumonia, o que exige a internação do paciente.
Pessoas com mais de 50 anos de idade estão mais vulneráveis, principalmente os idosos.
Quem está com o sistema imunológico debilitado e possui doenças crônicas, como as cardiovasculares, diabetes ou infecções pulmonares também pode adoecer gravemente.
Medidas como fazer uma quarentena voluntária em casa tem sido a melhor forma de combater a disseminação da doença no mundo.