“Fora do razoável”, diz Paulo Nogueira Batista Jr sobre ‘terremoto cambial’

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Reverenciado economista, que já foi diretor-executivo do FMI e vice-presidente do banco dos BRICS, falou à Fórum sobre o momento delicado e caótico produzido pelo “nervosismo do mercado”

Por Henrique Rodrigues, compartilhado de Fórum




na foto: O economista Paulo Nogueira Batista Jr, em entrevista ao Jornal da Fórum.Créditos: YouTube/Reprodução

No dia em que o dólar bateu o recorde histórico de cotação em relação ao real, custando R$ 6,29 no fim do pregão desta quarta-feira (18), como resultado de um movimento lido amplamente como um ataque especulativo, uma vez que não há qualquer razão em virtude dos indicadores econômicos atuais para tal gatilho cambial, o economista Paulo Nogueira Batista Jr, que já foi diretor-executivo do FMI e vice-presidente do banco dos BRICS, deu uma entrevista exclusiva ao Jornal da Fórum e falou sobre a sua leitura do atual momento.

Inicialmente questionado sobre a situação que repentinamente se instalou e provocou pânico generalizado no universo econômico nacional, monopolizando a pauta dos noticiários e gerando incertezas quanto ao desfecho que tal “crise” terá, Paulo Nogueira sintetizou os movimentos tomados até agora pela equipe econômica do governo Lula e classificou como “complicado” o quadro que se concretizou nos últimos dias.

“É uma situação delicada, difícil, porque o governo fez um pacote fiscal, bem ou mal, e pode não ter sido o pacote dos sonhos do mercado, mas foi um pacote restritivo, que está tramitando no Congresso, e depois que o mercado reagiu mal a esse pacote o Banco Central deu uma pancada na taxa de juros e aumentou um ponto, e anunciou mais dois aumentos de um ponto, e mesmo assim o mercado continuou nervoso… O Banco Central interveio no mercado de câmbio, vendendo reservas, e o mercado continuou nervoso e hoje bateu novo recorde… Então, é uma situação complicada essa em que se meteu a área econômica do governo”, começou dizendo.

Em relação à Reforma Tributária, tão desejada e que acabou sendo aprovada após muita discussão e queda de braço no Congresso, ainda que apenas numa primeira parte, o economista explicou que isso é algo que trará impactos apenas mais para frente, sem relação com a situação que se instalou agora, que tem motivos diferentes.

“Isso é um outro capítulo, porque é uma reforma que traz reflexos em longo prazo… O que está pegando agora, o incêndio, é por causa do curto prazo, das finanças públicas, e o que está acontecendo é o seguinte: o mercado reagiu mal àquela combinação de isenção de imposto de renda com ajuste fiscal, com corte de gastos… E aí vem uma coisa estranha, o Banco Central fez um ‘overkill’ na minha opinião, e sobrecarregou ainda mais as finanças públicas, que já estavam duvidosas, então você tem hoje uma situação curiosa… Em nome da responsabilidade o Banco Central eleva a taxa de juros, mas isso provoca irresponsabilidade fiscal porque aumenta o déficit público, os recursos da dívida pública… Então, é uma situação muito… Eu te confesso que eu não esperava que piorasse tanto tão rápido… E vamos deixar claro que são movimentos intensos, mas movimentos que estão na superfície, a economia mais básica está melhor em 2024, tanto o PIB, quanto o emprego, quanto os indicadores sociais, estão melhores… Espero que esse tumulto no mercado financeiro não contamine essa recuperação que a economia vinha esboçando, e pode contaminar”, explanou o reconhecido economista.

A volatilidade do dólar vista nos últimos meses, embora injustificada nos últimos dias em relação à galopante elevação de sua cotação, anteriormente já se mostrava problemática por causa de outros fatores alheios à realidade brasileira. No entanto, para Paulo Nogueira, todos os indicadores econômicos do Brasil vão bem e a gritaria do mercado, refletida na explosão cambial, não se justifica e pode custar caro a quem acha que está ganhando com essa confusão.

“Há um fator cerne por trás da economia brasileira, que é esse aumento do dólar sob a expectativa desse aumento de juros nos EUA. Quanto à balança comercial brasileira, é mais um indicador de força da economia… Você vê como é curioso o comportamento do mercado, nós estamos com um crescimento maior do que o esperado, desemprego maior do que o esperado, indicadores sociais e de pobreza e de miséria melhores do que o esperado… Inflação acima da meta, ok… Mas superávit comercial grande, déficit de conta corrente pequeno, resultado primário razoável, ou seja, não há fundamentos razoáveis, no meu entender… E nós temos reservas de US$ 350 bilhões… No meu entender, não fundamento econômico ou financeiro que justifique essa turbulência contra o real… Pode ser até que o mercado quebre a cara, e não consiga sustentar esse movimento e acabe pagando o prejuízo, e aí paciência, que não venha pedir socorro ao governo caso sofram prejuízos pesados com essa especulação contra o real”, opinou o ex-diretor-executivo do FMI.

Quanto à pergunta que não quer calar, sobre como o governo poderia contornar esse ‘terremoto cambial’ que se instalou repentinamente e sem justificativa aparente, Paulo Nogueira afirmou que duas ações, vistas até como antagônicas, podem ou devem ser tomadas pela equipe econômica de Lula. Algumas decisões tomadas até aqui poderiam ser revistas para “acalmar” o mercado, mas em contrapartida o Executivo federal precisa mostrar quem é que tem o controle da situação e botar ordem na balbúrdia protagonizada pelos grandes investidores e rentistas da Faria Lima.

“Pergunta difícil, não é fácil, não… O governo pode voltar atrás em algumas coisas que fez no curto prazo… O Banco Central não pode voltar atrás na pancada que deu nos juros, o governo não pode voltar atrás no pacote fiscal que mandou para o Congresso… É possível que o governo sinalize que vai anunciar medidas de alívio no imposto de renda, talvez deixar para mais à frente um pouco, e isso ajudaria a acalmar o mercado… Agora, o governo tem que entender o seguinte: o mercado não pode ficar solto… O governo tem que pôr ordem nesse galinheiro, e ele tem US$ 350 bilhões pra fazer isso… Tem que usar com cuidado, e como disse o Haddad, ele é flutuante, mas não é uma flutuação livre essa nossa, e nunca foi, ou não deveria ser… É uma flutuação com uma intervenção do Banco Central, pra evitar excessos, e nós temos agora uma situação em que há excesso, que está fora do seu ponto razoável, ou ‘overshooting’, como se diz em inglês, muito grande… Então, o pessoal que tá comprando dólar nesse preço, pode se arrepender, porque pode ter uma reviravolta e eles podem ser pegos de calças curtas”, concluiu o economista.

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