Forças Armadas nas ruas: Quem Julga os crimes dos militares?

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Por Filipe Andretta, publicado em Justificando – 

Está na Constituição: crimes dolosos contra a vida devem ser processados e julgados pelo Tribunal do Júri, no qual um grupo de cidadãos sorteados decide se o réu é culpado ou inocente.

Contudo, a lei 13.491/17, sancionada por Michel Temer em outubro, determina que os militares das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ou em cumprimento de atribuições estabelecidas pelo presidente ou ministro da defesa sejam julgados pela Justiça Militar da União, mesmo quando a vítima for civil.

A exceção agrada às Forças Armadas, pois o julgamento sai das mãos de cidadãos comuns para a competência de quatro oficiais militares e um juiz de direito. Uma semana antes da mudança legislativa, o general Villas Boas, comandante do Exército, afirmou via Twitter que era dever dele dar segurança jurídica aos militares envolvidos nas operações de GLO no Rio de Janeiro.




Passados mais de dez meses desde a alteração, prevalece a incerteza sobre a quem cabe julgar os crimes dolosos contra a vida de civis praticados pelos militares federais que atuam em conflitos urbanos – situação que se tornou comum principalmente no Rio de Janeiro a partir de 16 de fevereiro, com o decreto de intervenção federal.

Nas mãos do STF

Existem duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam a constitucionalidade da lei 13.491/17, ambas distribuídas para o ministro Gilmar Mendes, ainda sem data para julgamento.

Em uma delas (ADI 5901), o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) alega que a ampliação do alcance da Justiça Militar viola a competência do Tribunal do Júri e fere tratados internacionais de direitos humanos. A Procuradoria Geral da República (PGR) concorda e acrescenta que a lei criou uma espécie de “foro privilegiado” dos militares das Forças Armadas em relação aos policiais militares estaduais, que continuam sujeitos ao júri popular.

Segundo a advogada Débora Nachmanowicz, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a garantia constitucional do júri não pode ser afastada por uma lei.

Ela considera perigoso que esses julgamentos sejam levados a tribunais militares, principalmente num momento em que as garantias individuais são frequentemente violadas nas operações de GLO:

Existe um lado que sustenta que os oficiais da Forças Armadas devem julgar estes casos porque entendem a situação melhor do que um juiz comum, mas é inegável que existe um corporativismo, ainda que não seja algo generalizado.

A Anistia Internacional se posiciona contra a exceção criada em favor dos militares da Forças Armadas. Através de nota, a organização declarou: 

[A mudança] faz a legislação brasileira retroagir no tempo, se igualando à lei vigente durante o regime militar e acabando com a possibilidade de julgamentos imparciais e independentes.

O procurador da república Vladimir Aras também critica a lei 13.491/17. O membro do Ministério Público Federal defendeu em seu blog pessoal que:

Numa democracia, instituições militares e seus integrantes sempre devem estar sujeitos ao poder civil e, portanto, em regra os crimes cometidos por membros da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica que não digam respeito a hierarquia, disciplina e a outros valores militares devem submeter-se à Justiça comum.

Por outro lado, Paulo Roberto Batista de Oliveira, coronel da reserva da PM do Distrito Federal e mestre em direito defende que a alteração legislativa faz parte de um arranjo institucional legítimo.

A proposta foi levada à Casa do Povo, aprovada e a lei tem de ser cumprida.

Comenta o militar aposentado que hoje é encarregado técnico pelo Programa com as Forças Policiais e de Segurança do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).

A lei foi aprovada com folga pelo Congresso. Em 7 de julho de 2016, na Câmara dos Deputados, apenas Rede, Psol e PT orientaram voto contrário. No Senado, em 10 de outubro de 2017, foram 39 votos “sim” e apenas 8 “não”.

Reflexos

Pouco aceita entre os juristas, a nova legislação já traz alguns imbróglios.

Um caso emblemático é o do tenente do Exército Vinícius Ghidetti, acusado por homicídio qualificado de três jovens durante operação de GLO no Morro da Providência, Centro do Rio de Janeiro, em 2008.

Ghidetti estava para ser julgado por um júri federal, mas teve seu processo remetido à Justiça Militar em março, por consequência da lei sancionada meses antes. O Ministério Público Federal recorre desta decisão com o objetivo de trazer o caso novamente à Justiça comum.

Isso gera uma insegurança ruim a todos, não apenas para as vítimas e familiares, mas também para os acusados.

Lamenta a advogada Débora Nachmanowicz.

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