Com certo atraso, especialistas em educação das grandes mídias corporativas concordam com a ‘inadequação’ de formar professores em cursos a distância. Modalidade de formação que, ao fim e ao cabo, “irá prejudicar os estudantes da educação básica”, como afirma Antonio Góis em sua coluna de segunda (28) no jornal O Globo. Há muito venho falando sobre modelos de formação docente sob uma perspectiva histórica. Este, aliás, foi durante muitos anos meu principal objeto de estudo e que teve como ponto de partida minha própria experiência profissional.
Por Sonia Castro Lopes, compartilhado de Construir Resistência
É fato que desde os anos 90 do século passado vêm sendo implementadas reformas em relação aos cursos de formação de professores na Europa, Estados Unidos e América Latina. Nesta última, o Banco Mundial tem desempenhado importante papel ao definir prioridades, conteúdos e estratégias para as reformas de cada país. As condições impostas pelo órgão financiador direcionam e conformam as políticas educacionais dos países receptores desses empréstimos, cujos serviços públicos devem ser gerenciados de acordo com princípios que regem a iniciativa privada.
A política de formação docente formulada pela LDBEN de 1996 propunha a formação em nível superior para todos os professores da educação básica, incluindo os profissionais de educação infantil e das cinco primeiras séries do ensino fundamental que até então tinham sua formação realizada em cursos normais de nível médio ou em cursos de pedagogia. Posteriormente, houve mudanças que deram nova redação ao artigo 62 desta Lei ao decidir que “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal (grifos meus).
Ou seja, a Lei que inicialmente havia descartado o curso normal médio como espaço de formação docente, volta a admiti-lo. E o parágrafo 3º deste mesmo artigo acrescenta: “A formação inicial de profissionais de magistério dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a distância.” O termo ‘dará preferência’ ao ensino presencial ao invés da expressão ‘deverá ser obrigatória’abriu precedentes para que a formação de professores a distância se expandisse pelo país, ofertado em sua grande maioria por estabelecimentos privados com baixa qualidade.
De acordo com o Censo da Educação Superior, 74% dos alunos que optam pelo ensino a distancia o fazem na área educacional, sendo pedagogia o curso mais procurado. Vale lembrar que o curso de pedagogia, além de formar profissionais que irão atuar na gestão escolar, é responsável pela formação de professores para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental. De fato, é preocupante a grande demanda por esse tipo de cursos a distancia, uma vez que promovem uma formação aligeirada e de baixo custo, até porque são os grandes grupos privados que concentram maior número de alunos nas licenciaturas da EaD. Cursos que, inclusive, são mal avaliados pelo MEC, uma das razões da grande evasão verificada nessas licenciaturas. Se um curso de formação de professores deve primar pela articulação entre a teoria e a prática, como propõem os estudiosos do assunto, certamente uma formação capenga como essa deixa muito a desejar.
Recorro à história da educação e ao pensamento de Anísio Teixeira que, como nenhum outro educador, refletiu sobre essa questão. Por ocasião dos debates em torno da reforma do ensino superior (1968), Anísio problematizou a formação do magistério através da defesa de uma Escola de Educação nos moldes universitários, comparando-a a uma Escola de Medicina – no sentido de percebê-la como uma escola de ciência aplicada à prática profissional. Na verdade, ele entendia a Escola de Educação como um espaço que, embora não prescindisse do saber acadêmico, teria como principal preocupação o como ensinar, como organizar o saber para desenvolver a tarefa de ensino em diferentes níveis e com diferentes objetivos. Nessa perspectiva, Anísio propunha “uma escola profissional superior, à maneira das escolas de medicina, que se utilizam de grande parcela do saber humano para aplicá-lo na arte de curar.” (1)
Na visão desse educador, pedagogos e professores deveriam estar, acima de tudo, interessados no processo educativo e não divididos entre especialistas empenhados na pesquisa ou na gestão administrativa e professores, sobrecarregados com aulas apenas. A ideia do professor-pesquisador que reflete sobre sua própria prática está presente nas concepções de Anísio sobre o curso de formação de professores, bem como a ideia de uma pesquisa aplicada, fazendo das ciências o solo de reflexão e a alavanca para as mudanças que deveriam ocorrer no campo educacional. Anísio pensava assim nos anos 1930 quando criou o Instituto de Educação e a Universidade do Distrito Federal, pensava assim nos anos 50 quando dirigiu o INEP e pensava assim quando se discutiu a reforma universitária de 1968 que, no seu entender, deveria dar centralidade aos cursos de formação docente.
Hoje, os cursos de formação de professores, infelizmente, são os de menor prestígio no mundo acadêmico, a ponto de serem oferecidos por faculdades privadas (desqualificadas, em sua maioria) na modalidade não presencial pelo menor preço. Você se consultaria com um médico formado a distancia? Como aceitar que a formação de professores seja feita dessa forma?
Nota da autora
(1) TEIXEIRA, Anisio. “Escola de Educação”. In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. V. 51, n. 114, p. 239-259, abr/jun.1969.