Vivien Bittencourt, entrevistada por Vincent Katz, Outras Palavras –
Formas e texturas dos troncos. Uma árvore enfrentando o vento. Em seu trabalho, a fotógrafa-historiadora segue os passos da vida, do tempo e da história
Historiadora, a fotógrafa Vivien Bittencourt está atenta ao Tempo. Brasileira, reside há quase 30 anos em Nova Iorque, mas guarda laços estreitos com o Brasil. “O Chelsea, onde vivo, é um lugar de grande efervescência e rotatividade da arte”, conta. Prefere fotografias “roubadas”. “Acho que as fotos posadas perdem muito da sua movimentação natural e da sua essência.”
Na exposição que realizou na Biblioteca Otavio Ianni do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, de outubro a dezembro, com curadoria de Aline Gomes, mostrou fotografias que tinham, em primeiro plano, as árvores. Vivien já fez retratos fotográficos de poetas, músicos e artistas, além de fotografias de árvores e sítios arqueológicos. Aqui, entrevistada pelo escritor norte-americano Vincent Katz, ela fala sobre o seu trabalho.
Como você decide a distância de que fotografa as árvores?
Fotografo não só as árvores, mas também os retratos, sem um planejamento fechado da composição. Sempre uso luz natural e tento me familiarizar completamente com o que estou fotografando. Daí, quando aciono o obturador, naquela fração de segundo, eu sinto que não sei o que fotografei.
No caso das árvores, eu olho ao redor, deito no chão e olho pra cima pra ver como as copas interagem com o céu e com as outras copas. Olho bem o tronco pra ver qual é a sua textura, formas e cicatrizes, e principalmente observo como a árvore enfrenta o vento.
No caso da série Villa Doria Pamphili que fotografei em Roma, eu frequentei o parque quase todos os dias. Os bosques de pini domestici foram plantados em linhas paralelas quando as árvores eram bebês, dezenas de anos atrás. As suas copas foram altamente podadas, transformando os troncos em longuíssimas linhas.
Eu vi esses bosques em todas as estações do ano e, dependendo da luz, as árvores dançavam loucamente ou produziam sombras impressionantes que me comoviam.
Quando fotografou as oliveiras no Líbano, você registrou basicamente os detalhes circinais do seus troncos, que revelavam formas antropomórficas como joelhos, cotovelos e crescimentos desordenados. Já na Puglia, guardou distância das árvores. Por que?
Foram situações muito diferentes. No Líbano, as oliveiras eram mais velhas, tinham perto de 700 anos. As que fotografei haviam acabado de ser transplantadas. Elas iam ser cortadas para abrir espaço para uma estrada, e o meu amigo Nabil as comprou e as levou para Beirute. O impressionante é que a maioria delas sobreviveu e já estavam dando brotinhos. As oliveiras me atraíram, primeiro, pelo jeito que agarravam o solo. São criaturas sobreviventes, que retratam claramente o caos de viver em condições climáticas e políticas extremas. Então os seus joelhos, orelhas e “tumores” curvilíneos me chamaram muito a atenção pela sua beleza e resiliência.
Já na Puglia, as oliveiras que fotografei eram produtivas e mais jovens. E os bosques estavam por toda parte. Eu pulava a cerca e observava como as árvores se comportavam, pra que lado elas tendiam. Fiquei lá por um tempo e fotografei as árvores no seu contexto mais coletivo.
Fotografar essas árvores em lugares que viveram ou vivem em constante conflito, como as fotos têm a ver com a história desses lugares? E as ruínas, que são marcos históricos e de passagem de tempo?
O que se inclui ou exclui, consciente ou inconscientemente, numa imagem é um ato politico.
Tenho uma atração enorme por ruínas e por “restos” históricos. Eles são o lixo deixado pra trás. Por que algumas coisas sobrevivem e outras não? Os restos evocam a grandeza e a domesticidade da humanidade. Quando eu vi o pastor trazendo os carneiros pra comer o salsãozinho que crescia dentro do templo de Selinunte, achei muito adequado! O nome Selinunte vem de “selinon”, um salsão selvagem que cresce naquela região da Sicília. Então eu pensei: ai vêm os carneiros adorar o selinon!
Os esforços humanos interagindo com a natureza parecem te atrair. Como as árvores que foram plantadas em fila na Villa Pamphili, em Roma, que depois interagiram com os elementos, trazendo caos para o “domesticado” jardim italiano, por exemplo; você não está interessada no que se chama de “nature photography”, onde não se acham traços da humanidade. Já as fotos da Ilha Captiva, um lugar mais remoto, mostram uma natureza mais pristina, sem traços de “lixo histórico”.
Tenho um pouco de medo da natureza. Eu fico intimidada. Em Captiva, acabei observando os pássaros. Eles são seres de natureza coletiva e estão sempre em bando. Os pássaros são maioria, lá, são dominantes em número e vivem livremente. Mas nem por isso é só harmonia, é uma bagunça danada! Há a delicadeza dos seus corpos, a leveza de seus movimentos (salvo o pelicano!), como eles se organizam socialmente, às vezes harmonicamente, às vezes de um jeito lambão. Mas os movimentos em grupo são uma beleza, verdadeiros balés ou multidões na hora do rush.