As fotografias históricas que compõem esta fotogaleria levantam o véu sobre a história do território antes da ratificação da “solução de dois estados” da ONU.
Por Ana Marques Maia, compartilhado do site P3
“Uma terra sem povo para um povo sem uma terra.” O slogan foi repetido à exaustão, ao longo do século XX, pelo movimento sionista e pelos apoiantes do sionismo para mobilizar a imigração judaica para a Palestina. As fotografias do arquivo do Library of Congress Eric and Edith Matson, tiradas entre 1898 e 1946 e fornecidas ao P3 pelo Palestine Photo Project, contam, no entanto, uma história diferente. A Palestina era, no século XIX e XX, antes do nascimento do Estado de Israel, em 1948, um território habitado por centenas de milhares de pessoas e vivia, segundo a Enciclopédia Britannica, “um renascimento árabe”.
A localização da Palestina tornava-a num local estratégico do ponto de vista comercial. A partir dos portos de Gaza e Jafa, importações e exportações decorriam com países dos continentes africano, europeu e asiático. Havia também ligações ferroviárias com outras zonas do Império Otomano e vários jornais locais em circulação. As imagens que compõem esta fotogaleria revelam o quotidiano da Palestina dessa época e levantam o véu sobre a história que está por detrás do nascimento do estado de Israel.
Entre 1516 e 1917, o território da Palestina integrou o Império Otomano, que, durante a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, se alinhou com as Potências Centrais, o eixo que saiu derrotado do conflito. Na sequência da vitória, dois dos países dos Aliados, França e Reino Unido, com a concordância da Rússia, assinaram um acordo secreto, em 1916, intitulado Sykes-Picot, que determinava que parte do território do Império Otomano, a ser desmembrado no pós-guerra, ficaria sob a administração francesa e britânica. Nesse acordo, foi determinado que a Palestina, devido à presença de locais sagrados para cristãos, muçulmanos e judeus, deveria ser governada por um regime internacional. As administrações dos territórios “conquistados” pelos Aliados souberam das resoluções do acordo aquando da sua publicação, sem que tivessem podido pronunciar-se favorável ou desfavoravelmente sobre elas.
Em 1917, o Reino Unido decidiu violar o acordo Sykes-Picot e, unilateralmente, através da Declaração de Balfour, determinar que o território da Palestina deveria ficar sob o seu comando e tornar-se “o Lar Nacional para o Povo Judeu”, prometendo empregar “os seus melhores esforços no sentido de facilitar a realização deste fim”. Uma vez mais, a população autóctone não foi consultada ou chegou a qualquer acordo com o Reino Unido. A Declaração de Balfour estipulava, especificamente, “que nada seria feito que pudesse prejudicar os direitos civis ou religiosos das comunidades não-judaicas pré-existentes na Palestina”, embora não se referisse a essas comunidades pelo nome ou aludisse aos direitos políticos ou nacionais das mesmas.
Assim, o Reino Unido tomou as rédeas do poder na Palestina, no pós-guerra, assumindo o papel de facilitador da imigração da comunidade judaica para a região, como havia prometido. Antes da chegada dos britânicos, a esmagadora maioria da população era árabe, mas já existia uma comunidade de judeus na Palestina, ainda que expressivamente minoritária, correspondendo, dependendo das fontes, entre 5 e 8% da população.
Algumas estimativas apontam para cerca de 50 mil judeus a viver na Palestina, em 1918, cerca de 10% de uma população composta por 500 mil árabes, de acordo com o site das Nações Unidas. Mas a partir da vigência do controlo britânico, a imigração judaica intensificou-se. Em paralelo, em 1920, a Liga das Nações tornou oficial o governo britânico da Palestina e, no mesmo ano, os britânicos tornaram o hebraico numa das línguas oficiais da região.
Na década de 1930, a número de judeus a chegar à Palestina aumentou significativamente – fenómeno intensificado pela perseguição e extermínio sistemático dos judeus na Europa central, nomeadamente com a chegada de Hitler ao poder da Alemanha, em 1933. Apenas no ano de 1935 chegaram à Palestina cerca de 62 mil judeus. Nos dois anos anteriores, tinham chegado um total de 72 mil. Em 1937, de acordo com as Nações Unidas, a população judaica era de 400 mil e dez anos depois atingiu os 625 mil. Segundo a Britannica, havia, em 1946, na Palestina, 1.2 milhões de árabes e 678 mil judeus. Recorde-se que eram apenas 50 mil os judeus a residir na Palestina em 1918 – o que corresponde a um crescimento de 1350% da população judaica num período de cerca de 25 anos. À medida que chegavam, os imigrantes judeus foram construindo novos centros urbanos na Palestina.
A resistência à chegada de mais imigrantes judeus intensificou-se, nesse período, entre a população árabe da Palestina, e em 1933 tornaram-se frequentes as manifestações em oposição à imigração e que pediam o fim do mandato britânico. As autoridades reprimiam essas manifestações violentamente. Num dos protestos, já em 1935, em Jaffa, o então presidente do município de Jerusalém Musa Qassem al-Husseini, então com 83 anos, foi espancado pelas autoridades britânicas e acabou por morrer na sequência dos ferimentos, o que gerou ainda maior revolta entre a população árabe. Essa indignação viria a dar origem à Revolta Árabe, em 1936, uma série de manifestações e greves que desembocaram em fortes ofensivas árabes e forte repressão britânica. Entre 1936 e 39, a Palestina esteve em guerra civil. A Britannica refere que, na sequência desta revolta, “pela primeira vez, um órgão oficial britânico falou abertamente sobre a formação de um estado judaico”.
Os britânicos estabeleceram, desde o início do seu mandato, limitações para a imigração de população judaica para a Palestina, temendo que a situação se tornasse incontrolável devido à forte resistência árabe. Mesmo após a tomada de poder de Adolf Hitler, na Alemanha, a administração britânica manteve essa política, conduzindo à revolta das comunidades judaicas e dos seus braços paramilitares Haganah e Irgun contra o governo. “O Haganah resistiu atacar os britânicos enquanto combatia contra a Alemanha nazi. Mas os seus guerrilheiros uniram-se ao Irgun e levaram a cabo vários ataques contra os britânicos”, lê-se no site do National Army Museum do Reino Unido. A 22 de Julho de 1946, o Irgun fez explodir parte do hotel King David, em Jerusalém, uma das sedes da administração britânica na Palestina, matando mais de 90 pessoas e ferindo mais de 40.
Em meados de 1940, tanto árabes como judeus se opunham, por diferentes razões, ao mandato britânico na Palestina. “Sionistas pressionavam para aumentar a imigração e levavam a cabo ataques ao governo e os estados árabes mobilizaram-se em resposta”, contextualiza a Britannica. “A Segunda Guerra Mundial tinha tornado o Reino Unido vitorioso, mas exausto. A resolução britânica de permanecer no Médio Oriente entrava em colapso.” Em 1947, o presidente norte-americano Harry S. Truman declarou, contra o interesse britânico, o seu apoio à ideia da criação de Israel; no ano seguinte, a “solução de dois estados” seria levada a votação na recém-criada Organização das Nações Unidas.
Em 1948, o Reino Unido abandonava a Palestina. No mesmo ano, as Nações Unidas partiam o território em dois e nascia Israel. Os palestinianos opuseram-se ao acordo que foi, novamente, unilateral. A resistência árabe ao novo Estado israelita, em 1948, deu origem a um conflito armado e ao “deslocamento e expropriação em massa” dos palestinianos – entre 600 e 700 mil pessoas foram forçadas, sob ameaça de violência israelita, a abandonar as suas aldeias e as suas casas e a encontrar refúgio na Cisjordânia, na Faixa de Gaza ou em países vizinhos.
O site My Jewish Learning refere que nos três anos e meio que se seguiram à fundação de Israel, 688 mil pessoas imigraram para a região, uma média de 230 mil por ano, “o que se traduziu numa duplicação da população”. A Jewish Virtual Library escreve que, em Setembro de 2023, a população de Israel é de 9.8 milhões de pessoas (sendo nem toda é judaica), dez vezes mais do que aquelas que existiam em 1948, aquando da formação do país. Em 2022, o jornal Haaretz dava conta que existem, no mundo, 15.2 milhões de judeus e que 6,9 milhões vivem em Israel. Presentemente, Israel ocupa, à revelia da lei internacional, que lhe destinou 55% do território em 1947, mais de 20 mil quilómetros quadrados de terra (76% do território); aos palestinianos cabe residir numa área de 6 mil quilómetros quadrados (24%), em Gaza e na Cisjordânia.
Mais de 70 anos depois, Israel continua a não permitir que os refugiados regressem às suas terras, às suas casas, violando o que a ONU considera ser um direito humano fundamental. Em consequência, mais de cinco milhões de palestinianos vivem, actualmente, dispersos por vários países do Médio Oriente e do mundo. Em Israel dos dias de hoje, “os palestinianos continuam a ser expropriados e deslocados pelos colonatos israelitas, por despejos, confisco de terras e demolições”, escreve a ONU. A Palestina é, hoje, um “estado observador” não reconhecido pela maioria dos países do Ocidente.