Coberturas jornalísticas superficiais e de tom sensacionalista, em geral, acabam desmoralizadas pelos fatos. Foi o que aconteceu com a imprensa corporativa brasileira e boa parte de seus pares da mídia ocidental por ocasião das eleições legislativas francesas.
Por Bepe Damasco, compartilhado de seu Blog
Foto: RS/Fotos Públicas
Em vez de explicar para o distinto público o complexo sistema eleitoral da França, resolveram focar quase que exclusivamente na possibilidade, que, na verdade, sempre fora remota, de a extrema-direita reunir o número de assentos necessários, na Assembleia Nacional, para emplacar o primeiro ministro.
Informações preciosas foram sonegadas: no primeiro turno, realizado em 30 de junho, apenas 76 candidatos obtiveram mais de 50% dos votos em seus distritos e se elegeram sem precisar disputar o segundo turno; em centenas de distritos, a maioria esmagadora das disputas foi para o segundo turno.
Em 170 deles, dois candidatos se habilitaram para o turno final. Já em 385 distritos, três ou mais candidatos seguiram na briga por uma vaga.
Ora, se no primeiro turno a soma dos votos da Nova Frente Popular e da coalização centrista Juntos ultrapassou a votação da Reunião Nacional (extrema-direita), era absolutamente previsível que a estratégia das forças empenhadas em impedir a vitória do fascismo seria retirar os candidatos menos votados nos distritos, reforçando as chances dos que estavam mais bem posicionados.
Bingo, missão coroada de êxito.
É óbvio que o avanço eleitoral da extrema-direita é notícia, mas não entender que ainda estavam rolando os dados, que a disputa estava aberta, acabou sendo uma tremada barriga da mídia comercial.
Diante dos resultados finais, entre as fisionomias constrangidas dos âncoras, não houve outra saída que não fosse apelar para as chamadas do tipo “esquerda surpreende”, ou “reviravolta na França”.
Tudo bem que houve uma arrancada da esquerda na reta final, impulsionada principalmente por mulheres, jovens, artistas e renomados jogadores de futebol descendentes de imigrantes.
Mas fica a lição: a preguiça de fazer contas e de entender como funcionam os diferentes modelos eleitorais, aliados ao preconceito contra a esquerda, comprometem o bom jornalismo.