François Truffaut: um cineasta apaixonado

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Por Nirton Venancio, cineasta, roteirista, poeta, professor de literatura e cinema – 

Em 25 anos ininterruptos de trabalho, François Truffaut dirigiu 26 filmes, conseguindo de maneira inteligente conciliar um grande sucesso de público e de crítica.

Em toda sua rica cinematografia, Truffaut amava a infância, o cinema, as mulheres – não necessariamente nessa ordem, mas tentando aqui sintetizar em três grandes filmes:
– transformou sua traumática infância em um dos mais belos filmes de sempre, “Os incompreendidos” (Les 400 coups), longa de estreia, em 1959;
– traduziu a sua paixão como cineasta no único e definitivo filme sobre os bastidores de uma produção, o metalinguagem “A noite americana” (La nuit américaine), em 1973;
– expressou sua paixão pela alma feminina em “O homem que amava as mulheres” (L’homme qui aimait les femmes), de 1977.
Em 1983 o cineasta lançou “De repente, num domingo” (Vivement dimanche!), um policial com ótimo enredo de suspense, com Jean-Louis Trintignant e Fanny Ardant, com quem estava casado há três anos. Truffaut comemorava a boa repercussão do filme e o nascimento de sua filha Josephine, quando numa manhã queixou-se de fortes dores de cabeça que continuaram pelos meses seguintes.
Em 1984 foi diagnosticado câncer no cérebro e começou o tratamento. Na tarde de 21 de outubro Truffaut faleceu no leito do histórico Hospital Americano de Paris, quando começava a escrever a autobiografia, com a ajuda do amigo roteirista Claude de Givray.
Jean-Luc Godard, com quem rompera em 1982, sentiu-se abalado com a notícia, e não conseguiu ir ao enterro do colega no Cimetière de Montmartre.
Soube-se que o cineasta passou semanas entristecido, convivendo com as lembranças, quando os dois, garotos apaixonados pelos mesmos filmes, partilharam emoções escrevendo críticas, idealizando projetos no começo da carreira.
Godard expôs essas memórias e reconhecimento num longo artigo no número especial do Cahiers du Cinéma, em dezembro de 1984, onde diz que “existiu Diderot, Baudelaire, Elie Faure, Malraux, após
François, nunca existiu outro crítico de arte.”
E um surpreendente sentimento de desamparo Godard expressou numa entrevista em janeiro de 1985: “Ele conseguira o que ninguém entre nós havia conquistado ou buscado: ser respeitado. A partir dele, a Nouvelle Vague era respeitada. Éramos respeitados graças a ele. Ele desapareceu, não somos mais respeitados. Ele me protegia da sua maneira e eu deveria ter muito medo, pois essa proteção não existe mais.”
Truffaut partiu na juventude da maturidade, aos 52 anos. Não teve tempo de escrever sua biografia, mas sua vida está claramente exposta e compartilhada em seus filmes.
O ator Jean-Pierre Léaud é nitidamente o alter ego do cineasta desde quando interpretou o menino Antoine Doinel em “Os incompreendidos”. O personagem praticamente cresceu na pele de Léaud, passando pela adolescência até a idade madura, em mais quatro filmes, “O amor aos vinte anos” (L’amour à vingt ans), “Beijos roubados” (Baisers volés), “Domicílio conjugal” (Domicile conjugal) e “Amor em fuga” (L’amour en fuite), do começo dos anos 60 ao final dos 70.
Mesmo trabalhando em vários filmes importantes de outros cineastas, Jean-Pierre Léaud traz no rosto a expressão, os traços, a história de seu amigo diretor. Até quando contracenou com o próprio Truffaut em “A noite americana”, parecia o personagem duplicado em espelho. Um caso raro na história do cinema.
Foto Joe Gaffney, 1977

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