Por Marcius Cortez, compartilhado da Revista Fórum –
O ator Pereio é uma coisa, a pessoa Pereio é outra. Parece a fera, mas é o belo
Paulo César Pereio não precisa de palco porque ele é o próprio palco. Na verdade, Pereio prefere ter vários nomes. Foi Pedro quando estreou no cinema em “Os Fuzis”. Foi apenas o estudante quando viu a terra em transe numa das sinfonias glauberianas. Foi o caminhoneiro Sebastião “Brasil Grande” quando explorou as transas amazônicas acompanhado da putinha Iracema.
Chamava-se Paulo na luxuosa cobertura da zona sul do Rio quando se perdeu nos braços da Sonia Braga a quem se declarou “eu te amo, porra”. Foi Assunção que subia aos céus quando esfregava seu corpo na dama da lotação. Usou seu próprio nome na “Vida Provisória” de Mauricio Gomes Leite onde contracenou com Ferreira Gullar e Carlos Heitor Cony. Deu-se ao luxo de ser o poeta Blaise Cendrars no “Filme 100% brasileiro”. E vai por aí, o cara participou de quase 100 filmes.
A última vez que o vi nas telas foi na novela “Jesus”. Chapei, para mim, uma das suas melhores curtas aparições. Ele fez o papel de Simeão e com o Menino Jesus nos braços, meus caros amigos, aquele monólogo é coisa de gênio numa novela escrota como tudo o que o crápula Edir Macedo produz.
Perambular pelo Baixo Augusta e pela Vila Madalena com a figura e o amigo Palmério Dória é um presente dos céus. Certa noite baixamos no ateliê do Enio Squeff. Quando o pintor abriu a portinhola e viu Pereio logo cantou:
“Avante brasileiros de pé/ uni-vos pela liberdade/ marchemos todos juntos com a bandeira”.
Porra isso é o Hino da Legalidade, falei para meus botões, enquanto Enio confirmava “a letra é de Lara Lemos e a música era de um garoto chamado Paulo César Pereio”.
Na Vila Madalena, em frente do ateliê do gaúcho Squeff há um espaço cultural chamado “O Barco”. Ali acontecia o evento “Baladas Literárias” promovido pelo escritor Marcelino Freire.
Pois bem, aquele ano o homenageado era o mito PCP. Na noite da entrega do prêmio peguei o Palmeirim e rumamos para O Barco. Na hora do homenageado falar, o homi travou, saiu um discurso monossilábico. Palmério que o conhece bem traduziu para nós: aquilo mexeu com o seu amigo, avesso a homenagens e badalações.
O diretor pernambucano Lírio Ferreira, em “Sangue Azul” (2015), lhe prestou uma homenagem mais discreta. O filme começa com Pereio no papel do ilusionista Kaleb e termina com Ruy Guerra num belo monólogo na areia de certa praia de Fernando de Noronha. Pronto, o próprio cinema cobrira de glória o Ruy e o Pereio, vivos e eternos.
O Sr. Paulo César é um enganador. Só é cafajeste na tela. O Palmério viu porque estava lá. Um dia chegou na casa do ator uma amiga desesperada por causa de problemas financeiros. Pediu cinco mil e o Delegado Moretti do “Lúcio Flávio, passageiro da agonia”, lhe deu dez.
PCP é reservado em muitas coisas. Nunca me disse onde morava. Certa noite, José Genoino e eu fomos levá-lo em casa. Estacionamos o carro na frente de um prédio moderno. “Eu tenho um apartamento nesse prédio, querem entrar?”
Um tempinho depois ficamos sabendo que o ator se mudara para o Rio de Janeiro. Sonhava ficar junto das filhas, filhos, netos. Ora difícil acreditar que o debochado Bill Thompson de “Tudo bem” é um papai, um sogro, um vovô pra lá de família, pra lá de protetor.
Conheci um de seus netos. Falamos de cultura, política e de choses de la vie e o nível do papo manteve a peteca lá no alto. João é um príncipe. Deixei para o final, a minha tese: o ator Pereio é uma coisa, a pessoa Pereio é outra. Parece a fera, mas é o belo.
No retiro dos artistas, Pereio espera pelo goleiro Manga
Uma vez almoçando com Palmério, José Roberto Filippelli e Pereio flagrei esse último interagindo com o atleta musculoso que sentara ao seu lado. O “galã-terrible” resolvera misturar realidade e ficção e começou a brincar com o fortão desmunhecando e falando afeminado, dizendo que o armário era enxuto, lindão…
Mas a conversa entre eu, Palmério e Felipa engrenara e sei que depois de certo tempo percebi que nosso amigo descurtira a brincadeira e conversava normalmente com o peso pesado. Foi quando aconteceu o de sempre: dedo em riste, o gigante perguntou se o galã de “Eu te amo” comera a Soninha. PCP sacou sua resposta de praxe:
“Não, não comi”. Ponto para o civilizado Pereio.
O macaco do underground “Bang-Bang” gosta de gente. Certamente foi por essa razão que decidiu morar no Retiro dos Artistas onde convive com 51 pessoas, a maioria, artistas como ele. Numa casinha confortável, quarto, sala, cozinha, banheiro, 5 refeições por dia, centro médico 24 horas, teatro, cinema e biblioteca. Ou seja, o lugar ideal para esses tempos de quarentena. No momento o Retiro aguarda ansiosamente um artista do futebol, o goleiro Manga, 83 anos.
Pereio está bem. Foi sondado para 2 trabalhos.O primeiro será a continuação de “Os Fuzis” e o outro ainda é segredo. Paulo César diz que não tem pressa, é ainda uma criança oitentona. Imagino que um dia vai acontecer com Pereio a mesma coisa que aconteceu com Charlie Chaplin.
Depois das ameaças que recebeu dos macarthistas ianques por causa da cena da bandeira vermelha em “Tempos Modernos”, Carlitos foi dar um tempo em Londres, onde nascera. Um dia passando por um cinema em Lambeth, periferia ao sul de Londres, viu um cartaz anunciando “O Grande Ditador” e um concurso para o melhor imitador de Carlitos. Óbvio que o diretor de “Luzes da Cidade” se inscreveu. Participou do concurso e ganhou um honroso sétimo lugar. Esse tipo de coisa é a cara do Pereio.
Conhecendo o coração do morador do “Retiro dos Artistas” aposto que o primeiro dinheiro que pintar na sua mão, ele enviará uma passagem São Paulo-Rio para o Palmério. Presenteará seu estimado amigo. Vai ser show juntar o goleiro do time juvenil do Paysandu de Belém com o canarinho Manguita.