Por Fernando Molica, em Seu blog –
Pressionada pela crise, revoltada com a roubalheira, ameaçada pelo arrocho do governo estadual, irritada com a tradicional impunidade de políticos e empresários, boa parte da população comemora o desespero da família Garotinho e as fotos de Cabral de cabelo cortado e uniforme de preso.
A reação é compreensível, mas não custa tentar baixar um pouco a bola. Garotinho tinha motivos para reclamar de uma transferência (decisão agora revogada pelo TSE) que contrariava decisões médicas. Era também razoável o medo de uma eventual retaliação de bandidos encarcerados quando ele era secretário de Segurança – vale lembrar que, para evitar casos de vingança, policiais presos são mantidos separados de criminosos comuns.
Cabral, que, como preso, também está sob a proteção do Estado, tem o direito de se queixar da divulgação (feita por funcionários do governo Pezão!) das fotos no presídio. Em tese, as fotos nem deveriam ter sido feitas. A Lei 12.037/2009 regulamenta um artigo da Constituição e determina que o cidadão (qualquer cidadão) que tenha documento civil válido não será identificado criminalmente – é razoável supor que pelo menos o passaporte do Cabral esteja atualizado.
Não se trata de defender Garotinho e Cabral, as evidências contra ambos são muito relevantes, ainda que possa ser questionada a necessidade de decretação das prisões antes do julgamento – a medida, extrema, tem sido um tanto quanto banalizada. Mas, insisto, mas é preciso ter cuidado para não desprezarmos a legislação feita para nos proteger do Estado.
É absurdo que um delegado da Polícia Federal declare que Garotinho e Cabral ficaram em presídios separados por pertencerem a diferentes facções. A piada é ótima, mas não poderia ter sido dita por um funcionário público, integrante de polícia judiciária. Pior, a informação não é verdadeira: Cabral está numa cadeia reservada para pessoas que têm curso superior, um privilégio – sem dúvida -, mas que é assegurado por lei. Garotinho estava numa UPA que fica dentro do Complexo de Bangu.
É bom ressaltar que os dois políticos, quando ocupavam cargos de poder, também violaram direitos de presos. Quando era secretário de Segurança, Garotinho conduziu diante de jornalistas uma espécie de interrogatório do suspeito de matar um casal de estrangeiros, promoveu um espetáculo como os que hoje tanto critica. Nos últimos anos, fotos de presos de uniforme e cabeça raspada foram divulgadas com frequência pelo governo estadual. Agora, os ex-governadores amargam as consequências da omissão.
Não podemos festejar uma espécie de democratização da barbárie, o fato de dois políticos importantes passarem por abusos historicamente cometidos contra presos comuns, pobres, anônimos. Temos que buscar o respeito ao direito de todos. É até provável que as sucessivas prisões de representantes do que Elio Gaspari chama de andar de cima tenham efeitos benéficos na melhoria das condições carcerárias e no respeito à lei.
Por último, insisto. Não defendo políticos suspeitos de roubar (muito) dinheiro público ou de fraudar eleições. Exigir que os direitos de todos – inclusive os das pessoas que detestamos – sejam respeitados é a única forma de tentar garantir que nossos próprios direitos não sejam violados