Inauguração de Terminal Gentileza com VLT, BRT e ônibus e reforma da Estação Leopoldina criam expectativa de dias melhores para área onde profeta deixou seus escritos nas pilastras de viaduto
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
na foto: Terminal para VLT, BRT e ônibus leva nome do Profeta Gentileza, personagem da cidade: só transporte público de qualidade pode tornar a cidade mais democrática (Foto: Oscar Valporto)
“Gentileza gera gentileza” é a frase mais famosa do Profeta Gentileza, um personagem do Rio de Janeiro, um andarilho que circulava pela cidade e pela vizinha Niterói. Ele se apresentava como representante de Deus, anunciava novos tempos, criava provérbios e máximas, sempre falando de amor, de bondade, de gentileza. José Datrino, seu nome de batismo, sustentava a família com três caminhões para fretes até que, no Natal de 1961, disse ter recebido um chamado divino para que deixasse tudo que possuía e vivesse uma missão. Virou o Profeta Gentileza, passou a ser conhecido e reconhecido nas ruas e praças do Rio. Passou a usar uma túnica branca, com algumas de suas frases, e deixou cabelo e barba crescerem – a imagem de figura mística ficou reforçada.
No final dos anos 1970, o Profeta Gentileza deixou 56 escritos, numerados e pintados em verde, amarelo e azul sobre o cinza das pilastras do Viaduto do Gasômetro, uma ligação estratégica entre a Avenida Brasil, principal via de entrada da cidade pela Zona Norte, e o Centro do Rio – uma legítima intervenção artística urbana, que o tornou ainda mais popular. “Não pense em dinheiro. Ele é o capeta. Cega a Humanidade e leva para o abismo” – está escrito no número 44. “Este é o Profeta Gentileza que gera gentileza, com amor e paz, para um Brasil e um mundo melhor” é a frase do número 3. As frases se misturam e nem sempre a língua portuguesa é respeitada, mas, quando morreu em 1996, aos 79 anos, o profeta já estava incorporado à cultura da cidade: sua “Gentileza gera gentileza” estampa camisetas, bolsas, azulejos, placas.
Essa breve história do profeta nos leva numa viagem até o Terminal Intermodal Gentileza – como foi batizada a estrutura criada pela Prefeitura do Rio para receber a estação final de duas linhas do VLT, o BRT Transbrasil e 22 linhas de ônibus. Tenho o privilégio de poder circular pelo Rio de transporte público quase o tempo todo; um privilégio ligado a outro privilégio – o de morar em área próxima a uma estação do metrô e onde a maioria dos ônibus roda com o ar condicionado ligado. Os privilégios são sinônimo de desigualdade: transporte público de massa de qualidade, para todos, é o terminal de embarque para uma cidade democrática.
O Rio de Janeiro – como todas as metrópoles brasileiras – cresceu sem privilegiar o transporte público; aqui entregue a um monopólio perverso de empresários de ônibus. O sistema ferroviário do Grande Rio – que chegou a transportar dois milhões de passageiros por dia e hoje leva 600 mil – foi seguidamente sucateado; a polícia estadual, especialista em produzir tiroteios nas favelas, é incapaz de reprimir os roubos diários de cabos da rede ferroviária. O transporte público urbano e suburbano devia ser amplamente subsidiado, com subsídios financiados por pesada taxação no transporte individual, nos carros queimadores de combustível, multiplicados nas ruas por essa praga urbana disseminada pela Uber.