Por Rodrigo Gomes, publicado em RBA –
Nenhuma chamada pública para compra de alimentos da agricultura familiar foi realizada neste ano. “Falta priorizar a alimentação escolar saudável, que é fundamental na vida das crianças”, alerta nutricionista
Segundo a execução orçamentária da gestão Doria, dinheiro tem, mas não está sendo usado. Dos R$ 108,1 milhões do PNAE para este ano, o executivo municipal gastou R$ 28,4 milhões até o dia 7 de junho. O montante representa aproximadamente 26,2% do total, após cinco meses. Além disso, R$ 5,5 milhões desta verba, utilizada quase exclusivamente para alimentação escolar dos estudantes, estão congelados. O orçamento oriundo do Tesouro Municipal, de R$ 537,9 milhões também está com execução abaixo do esperado, considerado que já se passou quase a metade do ano, com liquidação de apenas R$ 117,5 (21,8%). Outros R$ 31,5 milhões estão congelados.
Fornecedores que mantêm contratos com a gestão municipal estão preocupados com o atraso no lançamento de novas chamadas, pois alguns contratos já foram encerrados e outros terminam em breve. Um dos contratos já encerrados é o do fornecimento de 600 mil quilos arroz polido orgânico pela Cooperativa dos Trabalhadores em Assentamento da Reforma Agrária de Porto Alegre (Cootap), o maior do país. O ajuste venceu em maio e não há perspectiva de novo edital.
“Desde 2012, nós fornecemos cerca de 3 mil toneladas de arroz para as escolas municipais de São Paulo. O chamamento devia ter sido realizado em março, para não interromper o fornecimento, mas até agora nada”, explicou Mauro Oteiro, diretor da cooperativa. A organização ainda fornece arroz parboilizado, cujo contrato vai até novembro.
A preocupação dele é que a situação impacte gravemente o trabalho realizado há sete anos pela entidade. O fornecimento da Cootap atendeu todas as escolas da cidade nos últimos dois anos. “Não há nenhuma justificativa para que não ocorra o chamamento. Já nos foi pedido orçamento, mas nenhuma resposta foi dada”, disse Oteiro.
A inexistência de novas chamadas foi confirmada por Rafael Grothe, diretor da Cooperativa dos Bananicultores de Miracatu. A entidade fornece parte das bananas orgânicas adquiridas pela Secretaria Municipal da Educação. “Ainda há muitas escolas que não recebem o produto de origem orgânica. Temos uma expectativa de que a chamada ocorra em 30 ou 40 dias. Mas poderia ter ocorrido há dois ou três meses”, afirmou.
Para o presidente da Federação da Agricultura Familiar (FAF) no Estado de São Paulo, Elvio Mota, o corte injustificado no programa afeta tanto a saúde dos estudantes quanto a vida dos agricultores familiares. “As famílias do campo produzem uma série de produtos que chegam nas escolas com altíssima qualidade. O que é fundamental na vida das crianças que estudam na rede pública. Por outro lado, os trabalhadores têm quase toda sua renda ligada a esse tipo de programa”, afirmou. A preocupação de Mota é que a gestão Doria ocupe este espaço com produtos industrializados. “Seria um crime contra a segurança alimentar”, completou.
A nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mariana Sanches, destacou que há problemas na aquisição dos alimentos orgânicos e da agricultura familiar, porque o sistema de compras público foi todo modelado para pagamentos por menor preço, dentre outras regras que a legislação flexibiliza para esse caso. “Mas é um problema solucionável. Se houver vontade política. Falta priorização da alimentação escolar saudável, que é fundamental na vida das crianças”, afirmou ela, que lembrou ainda que o caso é regido por duas leis, cujo descumprimento pode levar a implicações para o poder público.
A lei da capital paulista, aprovada e regulamentada na gestão de Fernando Haddad (PT) (2013-2016), é considerada a mais avançada do país. Ela prevê a ampliação do percentual de alimentos orgânicos na merenda escolar anualmente, com meta de chegar a 100% em 2026.
Aliada à Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que determina que pelo menos 30% do valor repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) deve ser utilizado na compra de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural, preferencialmente orgânicos ou agroecológicos, se tornou um importante instrumento de apoio à alimentação saudável das crianças que estudam na rede pública.
As normas permitem que seja pago um valor até 30% maior pelos alimentos orgânicos ou agroecológicos, em relação aos produtos convencionais, considerando as especificidades da produção sem uso de agrotóxicos. A capital paulista tem hoje 3300 escolas, com aproximadamente um milhão de alunos, que consomem 2,2 milhões de refeições diárias. Em 2015, a cidade investiu R$ 25 milhões na aquisição de produtos da agricultura familiar orgânica ou agroecológica, entre verbas do Tesouro Municipal e do PNAE, que foram fornecidos por 1.747 famílias.
Em 2016, foram assinados 13 contratos de fornecimento de alimentos orgânicos ou agroecológicos. Destes, dez estão vigentes: Arroz parboilizado, fubá de milho e banana (seis contratos), vencem em dezembro; o ajuste para compra de carne suína vence em setembro. Os documentos de aquisição de suco de uva, farinha de mandioca e arroz polido, estão vencidos. Os dois editais cancelados foram para compra de óleo de soja refinado e fubá de milho.
Em nota, a Secretaria Municipal da Educação disse que “a atual gestão cumpre a Lei Municipal nº 16.140 e a Lei Federal nº 11.947”. “Nenhuma compra foi barrada, como alega a reportagem. Atualmente estão em vigência 13 contratos, que garantem o fornecimento de banana, fubá de milho, farinha de mandioca, iogurte com polpa de frutas, arroz parboilizado orgânico, entre outros, priorizando a compra local, como recomenda a legislação. A alimentação saudável é prioridade na merenda oferecida nas escolas do município – tanto da rede direta como da rede conveniada. A merenda escolar é balanceada, variada e nutritiva, e garante as necessidades nutricionais dos alunos durante seu tempo de permanência nas unidades educacionais, sempre respeitando as necessidades da faixa etária das crianças atendidas”.