Gestos: sobre futebol e liberdade

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Por Cláudio Lovato Filho, jornalista e escritor

O centroavante atarracado manteve as mãos para trás quando o ditador se aproximou.




Era uma festa para que o ditador pudesse se despedir da seleção antes da Copa de 74.

O ditador percebeu que ficaria com a mão no ar diante do melhor jogador do país. No vácuo.

E, tentando não passar recibo, agiu como se nada tivesse ocorrido.

Mas ocorreu.

O centroavante de 23 anos se recusou a cumprimentar o ditador.

Um gesto que até hoje orgulha e inspira muitos de seus compatriotas e outros muitos amantes da democracia, da liberdade e da decência mundo afora.

Caszely

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Quatro anos depois, na Copa da Argentina, outro centroavante, também muito jovem, 21 anos, fazia seu gesto rebelde e libertário.

O camisa 9 mineiro fez o gol de empate contra a Suécia e comemorou levantando o braço direito com o punho cerrado.

Fez na Argentina oprimida pela ditadura o que já vinha fazendo no Brasil: protestar.

E levantou o braço, apesar de ter sido avisado pelo ditador de seu país para deixar essas coisas de lado.

Um gesto que não pode ser esquecido jamais, e que deve ser lembrado em especial em tempos como o que vivemos hoje.

Reinaldo

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Ele foi às Copas de 82 e 86.

Um meio-campista alto e magro que se tornaria doutor aos 24 anos e que também levantava o braço direito com o punho fechado para comemorar seus gols.

Ele e o mineiro do relato anterior conheciam História, sabiam quem eram os Panteras Negras, tinham conhecimento do que era viver sob repressão.

O Doutor alto, magro, Magrão transformou seu clube, um dos maiores do país, em um território democrático no qual todos tinham voz e voto.

Ele estava lá, na militância firme e forte da campanha das diretas, dois anos depois de ter brilhado na Copa da Espanha.

Estava escrito às suas costas, em cima do número 8: “Vote”.

Sócrates

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Em 2022, outubro, dia 17, uma segunda-feira, o irmão do Doutor, numa festa da Fifa em Paris, fez o “L” para o mundo todo ver.

O mano certamente sorriu lá de cima, com o braço erguido e o punho cerrado, orgulhoso.

Raí

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Viva Caszely, Reinaldo, Sócrates e Raí.

Viva Afonsinho, também Doutor, pioneiro do passe livre, um Libertador.

Viva Eric Cantona, que chutou o fascista, e o mundo todo viu.

Viva João Saldanha, que disse ao ditador que fosse escalar seu ministério.

Viva Bob Marley e Eduardo Galeano, para quem futebol é liberdade.

Viva cada um dos que sabem que o gesto transforma, que o gesto salva e que que só há um gesto possível a ser feito no domingo-penúltimo-dia-de-outubro-de-2022, ao sol e à sombra.

O pênalti da vida.

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Afonsinho, Cantona, João Saldanha, Bob Marley e Eduardo Galeano

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