Em seus votos a favor das indústrias interessadas nas facilidades de aprovação de organismos geneticamente modificados, os ministros desconsideraram estudos e a própria Constituição
Por Cida de Oliveira, compartilhado da RBA
Roberto Jayme/TSE
Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli reproduziram a propaganda das indústrias interessadas, sem amparo na ciência
São Paulo – Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Dias Toffoli desprezaram apelos e votaram a favor do “liberou geral” dos transgênicos no Brasil. Em julgamento que entre outras coisas questiona pontos da Lei de Biossegurança que dá sinal verde à Comissão Técnica Nacional de Biosseguranã (CTNBio), ambos reproduziram a propaganda das empresas interessadas. E usaram esses argumentos para votar contra a ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) há 18 anos.
Em seu voto, seguido por Toffoli, Gilmar considera que a CTNBio é qualificada para seguir, com exclusividade, aprovando os pedidos de liberação de Organismos Geneticamente Modificados, os OGMs, mais conhecidos como transgênicos. Ou seja, sementes, leveduras e tantos outros desenvolvidos nos laboratórios de empresas, em geral, transnacionais.
Isso porque, na avaliação de ambos, a comissão vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, criada para assessorar o governo federal em assuntos relativos ao tema, conta com “cientistas escolhidos, inclusive, com participação social na escolha”. Eles consideram também que “não há usurpação de competência de outros órgãos, como o Ibama e a Anvisa, como acontece. E que o colegiado foi criado para analisar e aprovar as questões de biossegurança do país.
E vão além: que se esse trabalho de aprovação feito pela CTNBio fosse deixado a critério dos órgãos ambientais estaduais, poderia haver morosidade em análises que, muitas vezes, precisam ser rápidas. Para isso deram como exemplo vacinas da covid-19.
Ministros relativizaram em favor das indústrias de transgênicos
Para resumir mais ainda seu voto, Gilmar afirma que a Constituição não prevê a obrigatoriedade de EIA/RIMA (estudo e relatório de impacto ambiental) para tudo. Apenas naqueles casos de significativa degradação ambiental. Que não há dados de que a Lei 11.105/2005 (sob questionamento na ação em julgamento) traga menos proteção ambiental. E que a CTNBio permite a participação social via audiências públicas.
Na avaliação da organização Terra de Direitos, o ministro Gilmar fez uma apreciação rasa das consequências dos OGMs ao meio ambiente e à saúde. “Relativizou que estes impactos podem ser causadores de degradação ambiental e, consequentemente, da necessidade da realização de EIA/RIMA pela CTNBio”, disse à RBA a assessora jurídica Jaqueline Andrade.
“O Protocolo de Cartagena, ratificado pelo Brasil em 2013, já alerta que a biotecnologia moderna se desenvolve rapidamente e que é crescente a preocupação da sociedade sobre seus potenciais efeitos adversos sobre a diversidade biológica, considerando também os riscos para a saúde humana”, disse.
A assessora da Terra de Direitos criticou ainda a comparação equivocada dos magistrados, que pouco estudaram o tema para votar. “É forçoso comparar a liberação comercial de OGMs para cultivo, em sua maioria commodities, com vacina para a covid-19 diante de uma pandemia”, ressaltou.
Até agora só Fachin votou pelo interesse da população e do país
O voto de Gilmar Mendes seguido por Toffoli põe os interesses desses fabricantes em vantagem no julgamento. Isso embora tenham divergido parcialmente do voto do relator, ministro Nunes Marques. Ao votar, o ministro indicado por Jair Bolsonaro (PL) argumentou que vacinas, por exemplo, que contêm OGMs, não provocam impacto ambiental. E que, portanto, dispensam estudos prévios. Mas não mencionou a a exigência constitucional de estudo prévio de impacto ambiental de atividade causadora de dano ao meio ambiente.
Até agora, o único a julgar conforme os interesses da população e do país é o ministro Edson Fachin. Ele foi sensível aos argumentos e apelos da sociedade civil e das organizações acolhidas no processo como amicus curiae, entre elas, a Terra de Direitos.
“A regulação internacional dos organismos geneticamente modificados ainda visualiza um ambiente de dúvidas sobre os impactos das OGMs na saúde humana. Há graves incertezas quanto às consequências relativas ao seu impacto nos ecossistemas, na biodiversidade, nos modos tradicionais e autóctones de vida, e em questões socioculturais”, destaca em trecho de seu voto.
Nesse julgamento, o ministro Gilmar Mendes foi coerente com um outro, recente, em que também beneficia o setor em detrimento do país. Na ação em que o Psol pede a inconstitucionalidade das isenções fiscais aos agrotóxicos, ele também considerou apenas os argumentos, rasos e insuficientes, das indústrias que faturam alto e ainda recebem incentivos para causar doenças e contaminar o meio ambiente.