Publicado no Blog do Rovai –
Um golpe não acontece a partir de uma única ação e muito menos por um só motivo. Chega-se a um dia em que se acorda com ele. Vê-se que ele estava ali, rondando a porta, sendo arquitetado e construído por gente que lhe tirava a cadeira antes mesmo de você chegar perto da mesa.
Os golpistas que lhe tiram do poder não são seus inimigos. Em geral, são ex-aliados. Aqueles que vão traí-lo perto do dia final.
Aos poucos eles vão se distanciando, uns mais rapidamente já vão fortalecendo o lado de lá. Outros ficam para trair na última hora. Esses são os fundamentais pra o golpe.
No caso do golpe de hoje contra o mandato legitimamente conquistado nas urnas por Dilma Rousseff é preciso não esquecer o nome de alguns traidores.
O ex-ministro das Cidades, Giberto Kassab, o presidente do PP, Ciro Nogueira, e o presidente do PR, Alfredo Nascimento, não foram os únicos, mas muito provavelmente os mais destacados.
Até o último minuto eles se diziam comprometidos com Dilma, dominavam ministérios, tinham acesso à lista dos votantes com o governo, solicitavam mais cargos, pediam aprovação de obras e na última semana romperam.
E foram fundamentais para que o golpe de abril de 2016 se consolidasse.
A derrota de hoje não é do governo e nem de um partido. Derrotas desse tipo se dão em processos eleitorais. Hoje foram rasgadas as regras do jogo. E se começou a cassar uma presidenta que não é sequer suspeita de corrupção, numa sessão de um Congresso presidido por um réu de diferentes tipos de crimes.
Isso faz com que o Brasil entre num túnel escuro sem que se saiba se há saída do outro lado e quanto tempo vai se demorar pra atravessá-lo.
Os golpes também são assim.
Da mesma forma que se descobre os traidores no dia que se acorda com ele na porta, só é possível entendê-lo melhor depois de um bom tempo.
Talvez daqui a um ano, quando o governo Temer começar a debater o adiamento das eleições para presidente e para o Congresso de 2018, jogando-a para 2020, muitos começarão a entender.
Talvez daqui a seis meses, quando o novo governo vier a propor uma reforma política com o objetivo de ampliar a representação do Sudeste em relação ao Norte e ao Nordeste, muitos começarão a entender.
Talvez daqui a poucos meses quando várias lideranças populares começarem a ser presas, muitos começaram a entender.
Talvez daqui a algum tempo quando jornalistas opositores vierem a ser perseguidos juridicamente pelo novo governo, muitos virão a entender.
Um golpe nunca é. Ele vai sendo.
E o que se inicia hoje é um golpe de estado no Brasil.
É verdade que Dilma ainda tem algumas etapas de resistência, mas suas chances são ínfimas.
Construiu-se um consenso midiático, econômico, político e de setores importantes da Justiça em torno dessa castração democrática.
Isso não significa que não haja espaço para a resistência popular. Há e muito. O Brasil de hoje não é o de 1964. Ele tem bases populares muito mais ativas, tem comunicadores progressistas muito mais influentes, tem uma intelectualidade e um universo da cultura menos subservientes e, entre outras tantas coisas, sindicatos muito mais combativos e estruturados. Além de uma juventude que na hora certa vai mostrar o quão importantes foram alguns programas de governo criados no governo Lula e Dilma.
Esse golpe de hoje ainda é uma incógnita, mas ele não vai acontecer apenas da forma como se pensou na planilha dos golpistas. Controlar votos num plenário de 513, com ampla maioria de picaretas, é uma coisa. Outra é controlar as ruas.
Haverá uma enorme resistência que já começa hoje.
E ela pode ir se ampliando quanto mais forem aparecendo as verdadeiras intenções dos golpistas.
O que está por vir é uma viagem por um túnel escuro. Mas é preciso confiar nas luzes que foram acessas durante os 31 anos de democracia. E essas luzes não podem ser desprezadas.
Foto da capa: Mída Ninja