Governador de Mato Grosso intensifica perseguição jurídica a jornalistas

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Em nova fase da Operação Fake News, justiça determina busca e apreensão nas casas de comunicadores críticos ao governo. Pedido de prisão de jornalista, no entanto, não foi aceito.

Por Augusto de Sousa, compartilhado de DCM




Mauro Mendes e Jair Bolsonaro

Por Vinicius Souza, com informações de Enock Cavalcanti.

Apesar da violência contra a imprensa ter caído ano passado com o início do governo Lula, a escalada da perseguição a jornalistas críticos ao governo de Mato Grosso, aliado ao bolsonarismo, segue forte e galgou um novo patamar na semana passada.

No dia 6 de fevereiro, o Tribunal de Justiça do estado TJMT, emitiu três mandados de busca e apreensão contra os jornalistas Enock Cavalcanti, da Página do Enock, Alexandre Aprá, do site Isso é Notícia e o publicitário e jornalista Marco Pinheiro, o Popó, irmão do prefeito de Cuiabá Emanuel Pinheiro (MDB) e inimigo político do governador Mauro Mendes (União Brasil).

Além da busca e apreensão, o delegado Ruy Guilherme Peral da Silva, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Informáticos DRCI, da Polícia Civil, pediu a prisão preventiva de Aprá. O pedido de prisão, todavia, não foi apoiado pela promotora de Justiça Laís Glauce Santos e acabou sendo negado pelo juiz João Bosco Soares, da 10ª Vara Criminal de Cuiabá.

Segundo a Polícia Civil de MT, os alvos da operação estavam com uma conduta reiterada de veiculação de informações falsas para atingir a imagem de autoridades. Os crimes investigados seriam os de “calúnia majorada, perseguição majorada e associação criminosa”.

A história real por trás da operação da semana passada, no entanto, é bem mais complicada. Os jornalistas são acusados de produzirem fake news contra Mendes e contra o desembargador do TJMT, Orlando de Almeida Perri, simplesmente pela fato de terem reproduzido uma reportagem do site Repórter Brasil, comandado pelo jornalista Leonardo Sakamoto, que relatou a entrada de Perri no mercado de ouro mato-grossense, passando a comandar empresas de mineração no Estado.

Colunista no site de Aprá, Cavalcanti escreveu dois artigos cobrando esclarecimentos de Perri, que sempre figurou em Mato Grosso como um magistrado de perfil moralista e agora era citado como novo e forte investidor no mercado da mineração mato-grossense, se beneficiando de lei aprovada pela bancada governista estadual de liberação de exploração em áreas de preservação ambiental.

Reportagem do site Repórter Brasil que possivelmente levou à intensificação da perseguição a jornalistas no Mato Grosso

Como o Conselho Nacional de Justiça CNJ abriu inquérito para investigar as novas atividades do desembargador Perri, Cavalcanti, em seu texto, reproduzido por Aprá em seu site, e alvo de diversos disparos promovidos por Popó nas redes sociais, cobrava esclarecimentos do magistrado com relação às especulações naturalmente geradas a partir da revelação feita pelo Repórter Brasil.

Para Mauro Mendes, e para o delegado da DRCI, Ruy Peral, no entanto, estes artigos seriam fakes news para atingir a honra do desembargador e do governador. Mauro Mendes, aliás, também tem interesses na exploração das atividades de mineração em Mato Grosso através do seu filho Luis Antônio Taveira Mendes, sócio de duas empresas investigadas pela Polícia Federal por comércio ilegal de mercúrio para extração de ouro).

A divulgação nos veículos de imprensa estado de Mato Grosso das investigações sobre o filho do governador que se reelegeu em 2022 e as suspeitas sobre o desembargador, aparentemente, foi a senha para a intensificação das ações judiciais contra os jornalistas e, eventualmente, contra os veículos.

A coisa ficou tão grave que o Sindicato dos Jornalistas de Mato Grosso Sindijor e a Federação Nacional dos Jornalistas Fenaj, pediram intervenção federal e afastamento do governador em novembro de 2023. No pedido, as entidades citam que em 2023 houve ações da DRCI contra, pelo menos, 15 jornalistas devido a reportagens envolvendo atos do governo e de seus familiares.

Entre os casos relatados estão os dos jornalistas Pablo Rodrigo, Ulisses Lalio, Daniel Pettengill e Haroldo Arruda Jr., por conta de reportagens que revelaram que o filho do governador, Luis Antônio Taveira Mendes era investigado pela Polícia Federal no âmbito da Operação Hermes, bem como reportagens envolvendo o pedido de autorização para implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) por familiares e amigos do governador.

O pedido também cita o caso envolvendo o jornalista Alexandre Aprá, que foi perseguido por um detetive durante algumas semanas, o qual ele afirmava ter sido contratado pelo governo para tentar incriminá-lo. Além desses casos, a Fenaj e Sindjor também elencam a Operação Fake News contra Aprá e demais jornalistas e outras ações na justiça com pedidos de indenizações com alto valor.

Além deles, a Federação cita ainda outros jornalistas e comunicadores perseguidos, como Victor Nunes, Maria Luiza Nogueira, Janice Ortis Ramos, Edivaldo de Sá Teixeira, Rodrigo Gomes Vieira, Edina Ribeiro de Araújo, João Adevilson de Souza, Marcos Fabiano Peres Sales e Ari Dorneles Pereira.

De acordo com as entidades no pedido de afastamento do governador: “Inviabilizar que a notícia chegue à sociedade, rebaixando os atos de imprensa a um simples instrumento de ‘reprodução’ de releases dos órgãos públicos, afastaria por completo a independência crítica e a liberdade de informar dos veículos de comunicação. Esta mediação do profissional da comunicação com a sociedade somente é possível quando as ferramentas democráticas lhe são acessíveis, sendo certo que o interesse social estará sempre acima de qualquer interesse privativo”.

Mas, diferente do que poderia supor o grupo que governa o estado, ameaçar, processar e pressionar jornalistas locais não impedirá que a imprensa siga seu caminho de investigações. Nesse dia 13 de fevereiro, uma nova reportagem de página inteira no jornal O Globo mostra o pacote de leis antiambientais que só não foram implementadas totalmente ainda por causa da ação do Ministério Público, de ONGs de proteção ambiental (que o governo quer proibir de atuar) e dos dois únicos deputados de oposição na Assembleia, ambos do PT.

Assim como outras reportagens repercutidas anteriormente na imprensa local mato-grossense, essa também associa o patrimônio milionário de Mendes a seus negócios no agro e mineração. A matéria cita, também, que a fortuna hoje estaria, oficialmente, nas mãos do filho do governador e traz uma foto dos dois juntos. E, como não podia deixar de ser, relembra que o empresário de 26 anos era sócio de empresas acusadas de comércio ilegal de mercúrio. Vamos ver quais jornalistas da imprensa local terão coragem de repercutir a Globo.

Matéria do jornal O Globo elenca novamente os interesses empresariais de Mauro Mendes e do filho Luis Antônio (em foto no canto inferior direito da página).

As perseguições contra o jornalista Enock Cavalcanti vêm de longa data, por seu perfil de jornalismo independente e investigativo. O colega, inclusive, já foi objeto de duas reportagens no Jornalistas Livres por conta disso, quando foi censurado por postar fotos da “elite” cuiabana pedindo AI5 em frente a quartéis (veja aqui) e quando ele apontou que a imprensa local escondia no noticiário que um ex-governador, Sinval Barbosa, estaria envolvido em caso de corrupção nacional (veja aqui).

O jornalista Alexandre Aprá, por sua vez, também já havia frequentado essas páginas virtuais quando denunciou perseguição do governador Mauro Mendes, incluindo espionagem por detetives particulares e possível armadilha para montagem de um falso flagrante de crime. Na época, Aprá havia feito uma série de reportagens sobre pagamentos sem licitação de publicidade, no valor de R$ 54 milhões (veja matéria aqui).

A trama para incriminar, ou no limite assassinar, Aprá envolveria detetive/pistoleiro interessado em regularizar uma fazenda de 8 mil hectares no norte do estado, uma advogada prima de ministro do STF que recebeu 1.5 mil hectares dessa fazendo como honorários, o marido juiz da advogada e a primeira-dama do estado, Virginia Mendes.

Essa história está muito bem contada em reportagem da Agência Pública por áudios de outro jornalista que se infiltrou no esquema para outra reportagem, mas quando viu a ameaça de morte ao colega gravou o detetive e denunciou a trama. Por conta do possível envolvimento de parte do judiciário estadual, a Fenaj pediu há mais de um ano a federalização do caso.

Capa da reportagem da Agência Pública sobre a trama contra o jornalista Alexandre Aprá

Ainda na seara de perseguições a jornalistas através do judiciário mato-grossense, no final de 2023 o professor de Jornalismo e de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Mato Grosso UFMT, Bruno Araújo, foi processado pelo deputado federal Abílio Brunini (PL). O motivo foi a publicação de uma reportagem no site local Olhar Direto, de uma análise do professor sobre gesto realizado pelo deputado durante a CPMI do 8 de Janeiro relacionado com grupos supremacistas brancos.

No final de janeiro, o professor foi absolvido no processo por calúnia e difamação. Assim como nos casos acima, Araújo recebeu o apoio de entidades do jornalismo como o Sindicato e a Fenaj, além das entidades da educação e das instâncias superiores da UFMT.

No caso da nova operação Fake News3, organizações como o Instituto Vladimir Herzog, FENAJ, ABRAJI, Artigo 19, Repórteres em Fronteiras e Comitê para Proteção dos Jornalistas divulgaram nota conjunta contra a perseguição judiciária à profissão informando que: “Replicar reportagens de outros veículos e publicar artigos de opinião, mesmo que críticos, faz parte da atividade jornalística, fundamental para a manutenção da democracia. A tentativa de criminalização da profissão, cumulando delito de natureza privada com acusação de perseguição e associação criminosa, é uma grave violação à liberdade de imprensa. A operação desta semana também revela tentativa de violar o sigilo da fonte, prerrogativa fundamental da profissão jornalística.”.

A nota salienta ainda que “Ao longo do ano passado, foram registrados diversos casos de assédio judicial contra profissionais da imprensa que produziram conteúdo crítico ao governador Mauro Mendes. Ao menos 17 profissionais estão sendo alvo de inquéritos policiais ou processos no estado, configurando um cenário de perseguições sistemáticas aos jornalistas e comunicadores que denunciam investigações em curso ou se posicionam contra ações do governo estadual”.

Publicado originalmente no portal Jornalistas Livres.

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