Mensagem que pede invasão ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso partiu de número usado por prestadores de serviços públicos.
Por Rafael Moro Martins, compartilhado de The Intercept Brasil
Na foto: Faixas pedem o fechamento do Supremo Tribunal Federal durante os atos de 7 de setembro no Rio: um alvo preferencial do bolsonarismo.
Este texto foi atualizado com a nota divulgada pelo governo do Paraná e novas informações sobre o envio de mensagens, recebidas também por moradores de outros estados.
Paranaenses e moradores de outros estados do Sul e do Sudeste relatam ter recebido uma mensagem de teor claramente golpista e anti-democrático do número usado por serviços públicos digitais do governo do Paraná. Relatos têm se espalhado pelas redes sociais na manhã deste sábado, 24 de setembro.
Após a publicação desta nota, que relatava apenas o envio da mensagem a moradores do Paraná, o Intercept recebeu relatos de pessoas que vivem em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e no litoral norte de São Paulo que também receberam o SMS golpista.
O governo paranaense admitiu que dados de cidadãos que usaram serviços públicos foram usados e culpou uma “empresa terceirizada” cujo nome se recusou a fornecer. Disse, ainda, que está investigando o caso. Segundo informações de servidores do estado do Paraná, a empresa suspeita tem sede em São Paulo.
A mensagem, enviada na madrugada de hoje, diz o seguinte: “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senao, vamos a rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nos!!”. Ela partiu do número 28523.
Conversei com três pessoas que receberam a mensagem e me autorizaram a publicar os prints. Elas me disseram ter usado anteriormente serviços digitais do Departamento de Trânsito do Paraná, o Detran, e um sistema chamado Paraná Inteligência Artificial, o PIA, plataforma de serviços digitais do governo. A comunicação, até então, era restrita a informações sobre protocolos de atendimento e códigos de autenticação. Neste sábado, os usuários foram surpreendidos com a mensagem golpista.
“O PIA agrupa todos os serviços públicos estaduais que você quiser consultar em seu nome. Quando escolho a opção de segurança vinculada ao celular, ele manda o código de acesso pelo número 28523″, me disse uma usuária, que recebeu a mensagem golpista.
“Na madrugada do dia 15 pro dia 16 eu recebi um código de autenticação pra algum app. Talvez tenha sido o da Carteira Digital de Trânsito, porque eu renovei recentemente a CNH. Aí, ontem, o mesmo número me enviou a mensagem anti-democrática”, relatou outra – ambas vivem em Curitiba.
O governador do Paraná, Carlos Roberto Massa Junior, o Ratinho Junior, do PSD, filho do apresentador do SBT, apoia a reeleição de Jair Bolsonaro. O diretor-geral do Detran é Adriano Furtado, que foi diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, a PRF, durante o governo Bolsonaro. Furtado foi demitido no início da pandemia por manifestar pesar pela morte de um agente pela covid-19, o que irritou o presidente negacionista. Desde o início do governo, a PRF tem se deixado usar politicamente por Bolsonaro.
Disparos em massa sem consentimento dos destinatários são proibidos pelo Tribunal Superior Eleitoral desde 2021. Além disso, a lei eleitoral também proíbe doações ou venda de cadastros às campanhas. Se o governo tiver repassado os dados coletados durante prestação de serviço público, o envio de mensagens em massa pode configurar o crime eleitoral de abuso de poder político e econômico.
Perguntei ao governo do Paraná de que forma funciona o envio de mensagens pelo número 28523, se houve cessão de dados de usuários de serviços públicos a campanhas eleitorais (o que afronta a Lei Geral de Proteção de Dados), e se houve registro de invasão ou ataque no sistema que efetua os disparos.
A assessoria do governo enviou a seguinte nota: “O Governo do Estado do Paraná repudia qualquer tentativa de uso político ou manifestação antidemocrática e determinou à [empresa estatal de tecnologia] Celepar apuração célere junto a seus parceiros para responsabilização desse fato lamentável. O fato ocorreu a partir de uma empresa terceirizada e ela já foi notificada pela Celepar”.
A nota deixa subentendido que a empresa terceirizada (que fica em São Paulo, segundo informações de funcionários do governo) tem acesso livre a dados sigilosos entregues à administração pública do Paraná.
Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Data Privacy Brasil acompanham o caso e devem acionar a justiça.
Com colaboração de Tatiana Dias.