O governo federal e empresas públicas do país enviaram pelo menos 43 pessoas à Rússia a trabalho, para participar de atividades relacionadas à Copa do Mundo. Mas o contribuinte brasileiro que quiser saber quanto foi gasto com diárias, passagens de avião e hospedagem dos servidores públicos terá dificuldades: dos cinco órgãos que mandaram representantes à Rússia, só a Embratur informou os custos detalhados da viagem.
Ao todo, 28 pessoas viajaram para a Rússia com todas as despesas pagas pelo governo (as empresas públicas, como a Caixa Econômica Federal, mandaram outras 15 pessoas). Além dos 28, mais dois servidores federais foram liberados para viajar às próprias custas: um do Ministério da Educação e outro do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).
No último caso, trata-se do único burocrata brasileiro a entrar em campo durante os jogos: o analista Sandro Meira Ricci é também árbitro da Fifa, e apitou na última terça-feira o duelo entre França e Dinamarca.
Desses 28 nomes, só é possível saber com certeza os custos da viagem de seis deles: a presidente da Embratur, Teté Bezerra (ex-deputada federal pelo MDB-MT), e as cinco pessoas que foram com ela à Rússia. Eles receberão entre R$ 11,6 mil e R$ 8,4 mil em diárias cada e se hospedam em hotéis da rede Ibis.
O grupo também gastou R$ 85 mil em passagens, com os valores individuais oscilando entre R$ 16,1 mil e R$ 13,6 mil. Os valores foram informados pela Embratur à BBC News Brasil, por meio da assessoria de imprensa.
E quanto às viagens dos demais servidores? Até agora, nem os profissionais da ONG Contas Abertas, dedicada a fiscalizar o orçamento público, conseguiram encontrar informações completas sobre diárias e passagens: a forma como elas foram disponibilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) impede que se saiba com certeza a qual viagem se referem os valores.
“O gestor público deveria entender que o cidadão é um parceiro na fiscalização do gasto. E antes de tudo é um direito – o cidadão está pagando a conta e tem o direito de saber. Não importa se vai ou não resolver o déficit público de R$ 159 bilhões, mas é preciso saber para onde estão viajando os funcionários”, diz Gil Castello Branco, fundador da ONG.
Fora o custo das viagens, a União gastará cerca de R$ 10 milhões para promover o país durante o evento – com outdoors e shows de artistas brasileiros, por exemplo.
Para chegar à lista de 28 pessoas, a reportagem da BBC News Brasil analisou os dados disponíveis no Diário Oficial da União, para os meses de maio e junho. Todas as viagens de servidores públicos são publicadas lá. De posse dos dados do Diário Oficial, é possível cruzar nomes e datas com as informações do Siafi levantadas pela Contas Abertas para saber que o ministro do Esporte, Leandro Cruz Fróes, recebeu R$ 17,8 mil de diárias; no caso de outros servidores do Esporte, as diárias chegaram a R$ 18 mil – ao longo da viagem inteira.
A reportagem não conseguiu localizar informações sobre o número de servidores que foram à Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, para efeitos de comparação com a delegação deste ano. Mas é possível afirmar que, graças à crise, o governo está gastando menos com viagens de modo geral. Em 2010, a União gastou ao todo R$ 1,081 bilhão com diárias (em valores da época). Em 2017, foram R$ 701,6 milhões.
Novo Portal da Transparência
Na última quinta-feira, a Controladoria-Geral da União pôs no ar a nova versão do Portal da Transparência, após três anos de desenvolvimento. O novo portal traz mais informações que a versão anterior, que estava no ar desde 2004. Também tornou mais intuitiva a busca por informações, e trouxe novas opções de gráficos e tabelas.
Mas, por enquanto, a nova ferramenta teve pouca utilidade para quem quis saber sobre as viagens de servidores para a Rússia: dos 19 servidores possíveis de serem checados no novo Portal da Transparência, as viagens ao país da Copa só apareceram para três deles.
Na versão anterior do portal, que saiu do ar, o problema era a falta de detalhamento: as informações se resumiam a uma descrição genérica de uma “viagem em território estrangeiro”, sem destino ou motivo, além da maioria das viagens também não estarem disponíveis. O novo portal já traz as informações completas, nos três casos encontrados pela reportagem da BBC News Brasil.
A manutenção do Portal da Transparência é de responsabilidade da CGU, mas depende de informações enviadas por cada ministério. A CGU informou que os dados sobre diárias (e outros) são atualizados até o último dia de cada mês, com os dados do mês anterior. Ou seja, uma diária paga em junho, por exemplo, só deverá estar publicada no dia 31 de julho.
“Por fim, lembramos que a publicação de dados de diárias de órgãos que não utilizam os sistemas estruturantes Siafi (de informações financeiras) e SCDP (de controle das diárias e passagens) depende do envio dos dados pelo respectivo órgão”, disse ainda a CGU. Todos os órgãos que enviaram servidores à Rússia usam os sistemas informatizados.
“Num país de dimensões continentais como o Brasil, o controle social (feito pelas pessoas) é tão importante quanto o controle interno, feito pela Controladoria Geral da União (CGU), e externo, feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O controle social é muito mais amplo e, afinal, o número de auditores é limitado”, lembra o fundador do Contas Abertas.
“A gente costuma dizer que não existe meia transparência, assim como não existe meia gravidez. Ou é transparente, ou não. Para que o sistema realmente funcionasse, precisaríamos ter as informações completas: nome do viajante, país, período da viagem, objetivo e valores. E isso em todos os casos”, diz Gil.
Quem foi?
Do Ministério do Turismo, foram à Rússia o ministro Vinícius Lummertz, ligado ao MDB de Santa Catarina; dois servidores comissionados do ministério e uma equipe de comunicação multimídia de quatro profissionais terceirizados. À BBC News Brasil, a pasta informou gastos de R$ 100.052,00 com passagens aéreas (cerca de R$ 14,2 mil cada uma, em média), mas não mencionou os gastos com diárias. Apesar do valor elevado das passagens, o ministério diz que todos os bilhetes são da classe econômica.
O Ministério do Esporte enviou uma comitiva de nove pessoas chefiada por Leandro Cruz, que assumiu a pasta em abril e foi indicado pelo deputado Leonardo Picciani (MDB-RJ). Questionada, a pasta não informou os gastos com passagens aéreas e nem os valores individuais das diárias dos servidores: encaminhou uma tabela que estabelece os valores a serem pagos em viagens no exterior, de forma genérica.
Além dos servidores (contratados diretamente pelo governo), o Esporte também parece contar com uma equipe de comunicação terceirizada, atuando in loco – profissionais assinam textos, fotos e vídeos da Rússia para a página do órgão na Internet. Ao contrário do Ministério do Turismo, o Esporte nada disse sobre esta equipe.
O ministro do Esporte teve uma reunião de trabalho com o seu colega russo, Pavel Kolobgov, em meados de junho, em Moscou. Os dois conversaram sobre a possibilidade de criar um grupo de intercâmbio esportivo envolvendo os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Leandro Cruz também foi à cidade de Rostov, para conhecer uma escola infantil que já formou 62 medalhistas olímpicos – a Escola da Reserva Olímpica. A visita foi em 18 de junho – no dia 17, o Brasil empatou com a Suíça na cidade.
A Polícia Federal mandou cinco servidores à Rússia, mas não enviou qualquer informação sobre gastos com as viagens. “As informações referentes ao tema se restringem ao release (nota distribuída aos jornalistas) já divulgado”, disse o órgão. A nota não dá qualquer detalhe sobre os agentes que participarão do Centro de Cooperação Policial Internacional (CCPI) da Copa da Rússia, uma espécie de reforço temporário ao policiamento local. As informações sobre estes servidores são protegidas por lei.
O Ministério da Cultura mandou apenas um servidor para a Copa, mas não mencionou inicialmente os gastos com passagens ou diárias. Depois da publicação da reportagem, a pasta informou ter gasto US$ 2.180 (cerca de R$ 8,4 mil) com passagens, e mais US$ 1.680 (o equivalente a R$ 6,5 mil) com diárias.
Considerando as respostas dos órgãos à reportagem e as informações levantadas no Siafi, é possível conhecer os gastos com passagens de 13 dos 28 viajantes (média de R$ 14,2 mil). Também foi possível saber as diárias de 12 pessoas (que receberam em média R$ 13,7 mil, para todo o período de viagem).
R$ 10 milhões para shows e outdoors
Para “vender o Brasil” aos turistas de todo o mundo que estão na Rússia, o governo gastará cerca de R$ 10 milhões: são outdoors espalhados pelas cidades-sede dos jogos, e eventos culturais como um show do rapper Emicida. A ofensiva publicitária está a cargo da Embratur, autarquia subordinada ao Ministério do Turismo, e custará R$ 7 milhões. Já as ações culturais custarão R$ 2,9 milhões, a serem pagos pelo Ministério da Cultura.
Em nota à BBC Brasil, a Embratur frisou que a campanha é “uma das mais baratas (da empresa) nos últimos anos”. A expectativa é atingir 5,2 milhões de pessoas na Rússia, e outros 119 milhões nas redes sociais. A propaganda tem como alvo “turistas de mercados prioritários para o Brasil, como americanos, mexicanos, argentinos e europeus”, explica a Embratur.
O Ministério da Cultura selecionou a BM&A, do produtor cultural Sergio Ajzenberg, por meio de uma chamada pública. Ao todo, a entidade promoverá 13 shows musicais. Além do rapper paulistano Emicida, se apresentarão o multi-instrumentista Hermeto Pascoal e o quarteto instrumental Yangos, de Caxias do Sul (RS), que foi indicado ao Grammy Latino em 2017. Também estavam programadas três “noites gastronômicas” durante os jogos, promovidas por chefs brasileiros.
Algumas destas atividades estavam previstas para acontecer na Casa Brasil em Moscou, um espaço montado numa antiga cervejaria próxima ao Kremlin. O local, porém, só ficará pronto nesta semana. Por isso, o show de Emicida acabou ocorrendo numa boate com 10% da capacidade da Casa Brasil. Um show de Gilberto Gil foi cancelado.
Já a Caixa Econômica Federal resolveu distribuir entre seus empregados e donos de casas lotéricas pacotes de viagens para a Rússia: viajaram 79 empregados da Caixa (ao custo médio de R$ 43,7 mil) e 73 lotéricos (R$ 38,1 mil, em média). A empresa também sorteou 71 clientes para ver os jogos, e as três promoções juntas custaram R$ 8,6 milhões. Embora seja uma empresa pública e controlada pela União, a Caixa usa dinheiro próprio para bancar as suas promoções (inclusive as viagens), e não dos cofres públicos.
Ao todo, a Caixa mandou 13 pessoas a trabalho para a Rússia, a maioria dirigentes da empresa. Quatro destes estavam fazendo a “representação institucional” da empresa junto às pessoas que ganharam os pacotes turísticos. O Banco do Brasil também mandou dois funcionários, que acompanharam um grupo de 50 clientes do banco, sorteados para assistir à Copa. À BBC News Brasil, a Petrobras disse que não enviou qualquer funcionário seu ao torneio.