Governo Lula e a Reinvenção do Nordeste, por Túlio Muniz

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Jamais um Governo assumiu com tanta diversidade regional, racial e de gênero, pelo que também será combatido como nunca.

Por Túlio Muniz, compartilhado de Jornal GGN




Foto Oficial

O início do novo Governo Lula é, ainda que subliminarmente, marcado também pelo combate ao racismo que boa parte da população brasileira do Sul-Sudeste e Centro Oeste tem para com Nordestinos. Mais uma vez isso ficou patente logo após a vitória de Lula em 2022, com manifestações abertas de racismo em redes sociais, ruas, ambientes públicos e privados.

Sim, é racismo o que vimos, lembrando que a prática não se limita à cor da pele, embora seja esta a que mais incide sobre cerca de 55% da população afro-desdendente e sustenta o “racismo estrutural”. Este, historicamente, alija ou ao menos dificulta o acesso da maioria da população aos equipamentos públicos e instâncias decisórias, segrega ganhos de renda, acesso a terra e à moradia, entre outros. Pois racismo também denota “uma atitude depreciativa e discriminatória não baseada em critérios científicos em relação a algum grupo social ou étnico”, concepção endossada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ .

 Durval Muniz, em seu clássico “A invenção do Nordeste”. livro que deriva de sua tese de doutorado na Unicamp, de 1994), demonstra que até a criação do Banco do Nordeste (BN, 1952, sob Vargas) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (1959, sob Juscelino), o “Nordeste” não exisitia em termos de geo-política e socialmente, compondo um grande “Norte”. Daí, talvez, a caracterização jocoza e discriminatória de “Nortista” que os brasileiros ao Sul dão aos nordestinos ainda nos dias de hoje.

O roteiro proposto por Durval Muniz nos leva a entender que, see organismos como a SUDENE e o BN vão impulsionar o desenvolvimento econômico regional, também concentrarão renda em poucas mãos (pelo menos até os anos de 1990), impelindo para o Sul um imenso contigente de migrantes (os ‘retirante’), muitos ocupando postos de trabalho nas lavouras de cana de açucar (os bóias frias) de Minas e SP, ou postos na construção civil que edificaram as partes modernas de muitas da grande cidades ao Sul, inclusive Brasília.

Para explorar tal mão de obra barata, foi necessário ‘criar’ um tipo social ‘inferior’. E eis que o “Nortista” é alçado a condição de “Nordestino”, herdeiro das supostas incompletitudes do “Hércules Quasímodo de “Os Sertões”, apontado por um Euclides da Cunha incapaz de atribuir postividade à bravura dos que combateram o Exército em Canudos.

O tipo “retirante”, oriundo da migração interna, somente desapareceu com a ascensão de Lula ao poder em 2003 e com a criação do Bolsa Família, que proporcionou condições de a população nordestina se manter fixa em seus lugares de origem, vivendo com o mínimo de dignidade. Não é à toa que o Bolsa Família foi duramente combatido e somente assimilado pela direita e pela extrema direita por seu potencial eleitoral. Com a volta de Lula reascende também a repulsa e a incompreensão  que muitos dos brasileiros do Sul têm para com a potência nordestina.

 De fato, Lula incorpora  como ninguém a potência, a força e a resistência nordestina, o que explica tamanho ódio e frustração recalcada emanados por opositores seus. O que não o leva a abrir mão de compor um Ministério e um quadro de lideranças do Governo no Congresso com representação de todo o país, mas também  repletos de nordestinos e nordestinas: Margareth Menezes (Cultura), Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Rui Costa (Casa Civil), Camilo Santana(Educação), Flavio Dino (Justiça), José Guimarães (líder na Câmara), Jacques Wagner (líder no Senado,  carioca, mas com uma vida radicada na Bahia desde os anos de 1970), entre outros. Pesa a favor de todos uma já larga experiência política e administrativa, um trunfo do Governo Lula de 2023 em relação ao que assumiu em 2003, quando ainda eram poucos ministros e ministras petistas e aliados à esquerda a terem governados Estados, por exemplo.

Sem dúvida o estigma de ‘ser nordestino’ incidirá sobre interpretações fascistas e da direita acerca dos atos e ações de Lula e da parte “nordestina” de seu Ministério. Esta não verá colegas seus serem cobrados por um suposto  ‘mal de origem’ (talvez, exceto Sônia Guajajara, indígena), assim como aos brancos brasileiros à direita não se cobram nem se sentem responsabilizados pelos efeitos deletérios da branquitude.

Jamais um Governo assumiu com tanta diversidade regional, racial e de gênero, pelo que também será combatido como nunca. Mas é um governo que tem à frente  Lula, que é também um paradoxo: poucos como ele e sua trajetória política e de vida representam o potencial de interação e integração. Demostrar, na prática, as possibilidades de conciliação nacional será um desafio permanente.

Túlio Muniz. Historiador (Graduação e Mestrado pela Universidade Federal do Ceará),  Doutor na Área de Sociologia/Pós-Colonialismo e Cidadania Global pelo Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia (CES-FEUC) da Universidade de Coimbra. É Professor Adjunto na Faculdade de Educação (FACED-UFC). Também é Jornalista Profissional.

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