Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
Parece que a maioria de nós acha que bastou ganhar a eleição presidencial e agora é a hora do sofá, ignorando que a urna legítima que levou Lula de volta ao Palácio do Planalto é a mesma que deu mandatos a escroques que dominam o Legislativo. Esse é o verdadeiro impasse democrático brasileiro.
Se estabeleceu uma discussão muito interessante sobre a conveniência de se fazer, ainda neste março, uma manifestação de rua dos setores democráticos em reposta ao recente ato bolsonarista na avenida Paulista, em São Paulo. A polêmica é rica.
Para começar, mais uma vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi certeiro no diagnóstico. Classificou como “grande” o ato fascista, como de fato foi, ao contrário de alguns lunáticos de esquerda que tentaram, numa viagem distante da realidade, minimizar a presença de tanta gente em evento abominável. Em Política, é indispensável saber o tamanho do adversário ou inimigo para melhor se combater.
A discussão sobre a conveniência de ir às ruas já para responder ao fascismo comporta argumentos razoáveis ao sim e ao não. É ruim deixar as ruas para os defensores do genocida e passar a ideia de que somos minoria. Afinal, além da defesa da Democracia ser sempre fundamental, quem venceu a eleição presidencial fomos nós e não os golpistas.
Por outro lado, será obrigatoriamente ruim se a manifestação do campo popular for inferior numericamente ao ato genocida da Paulista. A fotografia não é tudo, mas é um dado importante nesse jogo.
A questão de fundo que preocupa nessa dúvida de ir ou não para a rua é outra. Infelizmente, a esquerda não só perdeu o tradicional monopólio da rua nas manifestações políticas no Brasil. Com raras exceções em momentos pontuais, a voz popular não é presente no asfalto. Isso é muito ruim, não façamos cara de paisagem diante da triste constatação,
E essa letargia dos setores populares não se limita ao temor da comparação com eventos tópicos da extrema-direita. A falta de manifestações organizadas tem prejudicado muito Lula.
O governo vem travando, e perdendo, a maioria das batalhas no Congresso reacionário. Medidas que tentam taxar os muito ricos, entre outras, são barradas pela gangue de Arthur Lira sob o “silêncio ensurdecedor” da esquerda fora do Parlamento. Verdadeiros privilégios indecentes são mantidos debaixo de tímidos protestos, em redes sociais, de militantes.
Parece que a maioria de nós acha que bastou ganhar a eleição presidencial e agora é a hora do sofá, ignorando que a urna legítima que levou Lula de volta ao Palácio do Planalto é a mesma que deu mandatos a escroques que dominam o Legislativo. Esse é o verdadeiro impasse democrático brasileiro.
Historicamente, políticos e políticas conservadoras só são vencidos ou superadas debaixo de pressão popular grande. Isso não mudou. Mobilizações em redes sociais são insuficientes. É aquele caso de se anunciar um evento e em dois dias para 50 mil pessoas confirmarem presença. Na hora, aparecem 500, e olhe lá.
Não há ainda fórmula mais eficaz que o grito que pode ser ouvido na avenida. A digitação de um ok em rede social não faz barulho efetivo. E essa falta de rua é ainda pior para a ajuda de sustentação política ao governo Lula do que confrontar evento fascista. A rua não está auxiliando Lula e sua equipe a ir mais adiante na batalha contra as injustiças sociais.
Qual a razão da apatia dos setores progressistas? A agenda de discussões é ampla e ninguém tem a fórmula que explique com certeza o fato. Mas a perda da rua não pode ser encarada como fato natural. Se aceitarmos isso, estaremos assinando o fracasso do futuro. Povo que não luta por seus direitos é o sonho dos reacionários.
Imagem: manifestação na Candelária-RJ, em 2019, Greve Nacional da Educação. Américo Vermelho