Governo recorreu a inverdades para desconsiderar tratados internacionais

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Por Janio de Freitas, FSP, publicado em Carta Maior – 

Comitê da ONU diz que país deve garantir o direito de Lula disputar a eleição

O Direito de Curitiba prospera, com a velocidade da regressão brasileira.

O governo adotou-o para sua reação imediata ao comunicado do Comitê de Direitos Humanos da ONU pelo direito de Lula à candidatura, mesmo preso.




Por intermédio de dois ministros, o governo desconsiderou um tratado e um pacto internacionais, como se tornou usual aqui com a Constituição e com os códigos penais.

E recorreu a uma inverdade, como é comum e premiado nas delações dirigidas. Nada de mais, portanto, a não ser pelo comprometimento moral do país já no plano das suas responsabilidades internacionais.

Primeiro a se manifestar, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, divulgou que a comunicação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos “tem caráter de recomendação”, apenas.

Não seria o caso de confiar no inglês do ministro, mas não foi por falta de tradução correta que ele preferiu a inverdade.

O original diz que “the Committee requests”, pede, pois, “que o Estado tome todas as medidas para assegurar que o autor [do recurso] goze e exerça seus direitos políticos enquanto estiver na prisão”, e segue.

É recomendável que Nunes Ferreira não aja com má-fé. Para todos os efeitos diplomáticos, e para o mal dos brasileiros, o mundo recebe suas palavras ministeriais como representativas do Brasil.

E, ao menos isso, a tradição brasileira não é a de desrespeitar os tratados, o vale-tudo é doméstico.

Desaparecido desde que Michel Temer esvaziou seu cargo, o ministro Torquato Jardim, da Justiça, reapareceu para atacar a ONU “por intromissão indevida” com a conclusão, sobre o caso Lula, do seu comitê de peritos em direito.

O Brasil tem votado na ONU assuntos de direitos humanos, inclusive com condenação, como as de ações militares de Israel contra os palestinos.

O governo direitista israelense considerou haver “intromissão” da ONU e, claro, dos votantes condenatórios.

Desde meados dos anos 1950, o Brasil tem participado, não por palavras, e sim com presença, em missões da ONU na África, no Oriente Médio, ultimamente no Haiti. Neste, com verbas asseguradas pelo governo Temer.

O Brasil integrou o tratado sobre direitos civis e, mais tarde, o pacto dos signatários reiterando o compromisso e a supervisão decisória da ONU. Já a prisão antes de esgotados os recursos do réu, como imposto em recente decisão do Supremo Tribunal Federal, transgride o tratado e está pendente de exame. Agora, a dose redobrada.

No Brasil ainda é rara a compreensão de que regras sobre direitos humanos não são para alguns em determinadas circunstâncias.

Protegem a todos. E todos estamos sujeitos a precisar socorrer-nos dessa proteção.

As demais leis brasileiras, por si sós, temos visto que não bastam.

*Publicado originalmente na Folha de S. Paulo

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