Governo vai expor locais onde funcionaram centros de tortura na ditadura

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Ministério dos Direitos Humanos tem programação extensa para lembrar os Anos de Chumbo e vai criar locais de memória em instalações onde ocorreram mortes e desaparecimentos de opositores do regime militar

Evandro Éboli, compartilhado do Correio Braziliense




na foto: Casa da Morte, em Petrópolis: centro clandestino de tortura e assassinatos - (crédito: .wikipedia/repodrução)

Para lembrar os 60 anos do golpe militar que implantou a ditadura no país por 21 anos, de 1964 a 1985, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara uma série de atos e uma programação extensa para relembrar, em detalhes, as atrocidades e as violações cometidas naquele período. Sob o comando do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, um dos objetivos é expor locais onde funcionaram centros de tortura, morte e desaparecimento de militantes opositores do regime.

Constam dessa agenda a desapropriação e o tombamento da Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), de onde saíam mortos os perseguidos pela ditadura para serem incinerados em Campos dos Goytacazes (RJ), em fornos de uma usina de cana-de-açúcar que vai virar um memorial. A família do então presidente João Goulart fará a marcha inversa, do Rio de Janeiro para Juiz de Fora (MG), trecho percorrido pelas tropas do Exército para destituir Jango, entre diversas outras ações.

Para cuidar dessa agenda, foi destacado o ex-ministro de Direitos Humanos e jornalista Nilmário Miranda, um perseguido político da ditadura que ficou preso por três anos, foi torturado nos porões da repressão e viveu um período na clandestinidade. Nilmário é assessor especial da Defesa da Democracia, Memória e Verdade do ministério e, desde o ano passado, tem visitado esses lugares, se reunido com parentes e vítimas da repressão e faz tratativas com instituições como universidades, que também irão participar dessa empreitada.

Relembrar o que aconteceu naquele período após quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) tem um sentido especial e encerra uma necessidade premente, relata Nilmário. “O ex-presidente não reconhece a existência da ditadura, cultua torturadores, fechou a comissão que buscava o paradeiro das vítimas nunca mais vistas e já declarou que esse regime aniquilou pouca gente.”

“Ele convenceu muita gente. É preciso um trabalho forte agora, e vamos fazer essa disputa. Como? Contando tudo, exatamente como aconteceu”, disse Nilmário Miranda, em entrevista ao Correio.

 Nilmário Miranda, assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do Ministério dos Direitos Humanos.
Para o jornalista e ex-preso político Nilmário Miranda, as atrocidades do regime militar não podem ser esquecidas(foto: Evandro Éboli/CB/D.A Press)

O governo de Lula não está sozinho nesse movimento. O tombamento e a desapropriação da Casa da Morte e dos fornos da usina de cana — e a ideia de transformá-los em centros de memória — tramitam em projetos na Assembleia Legislativa do Rio. A deputada estadual Dani Balbi (PCdoB) é autora da proposta de tornar a casa um museu.

No caso da usina, o projeto é dos deputados Marina do MST (PT) e Rodrigo Bacellar, do PL, presidente da Assembleia Legislativa do estado e correligionário de Bolsonaro. A área da empresa virou um assentamento de trabalhadores sem-terra.

“Nesses dois locais se davam o crime perfeito. (A repressão) sequestrava, matava, esquartejava e incinerava o corpo. Nunca ninguém vai descobrir”, diz Nilmário.

Só se descobriu porque um ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Cláudio Guerra, contou tudo em um livro. Ele transportava os corpos de um local para outro. No ano passado, Guerra foi condenado a sete anos de prisão, acusado de destruição e ocultação de cadáver.

“Incinerar corpos é algo que não se tinha conhecimento como prática na ditadura, até então. Isso ocorreu no Holocausto”, completa o assessor do ministério. Naqueles fornos em Campos, 12 militantes tiveram seus corpos incinerados.

O governo irá destacar também que houve prisões e torturas em locais como estádios de futebol, caso do Caio Martins, em Niterói (RJ), cidade onde um navio foi fundeado, atracado, e serviu de cadeia provisória para presos políticos.

Na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio de Janeiro, será erguida uma estátua para lembrar Stuart Angel, um jovem remador do Flamengo que enfrentou a ditadura. Foi preso e morreu em poder dos militares. Seu corpo não apareceu até hoje. É filho da estilista Zuzu Angel, que empreendeu uma luta para reencontrá-lo e denunciou, fora do país, a existência da tortura no Brasil. Ela morreu em um acidente de carro, em circunstâncias suspeitas.

golpe 1501
golpe 1501(foto: kleber sales)

O Estado reconheceu que ela morreu vítima dos militares, como o filho. Uma placa lembrando Stuart sumiu em 2016 da sede de remo do clube. O Ministério Público cobrou explicação à direção do Flamengo, mas nunca obteve resposta.

Nessa agenda dos 60 anos do golpe, o governo Lula também irá pedir desculpas a parentes de nove chineses que foram presos e torturados no início da ditadura, acusados de propagandistas do comunismo no Brasil. Eram, na verdade, funcionários da Embaixada da China. Só um deles ainda está vivo.

A prefeitura de Juiz de Fora, das poucas cidades no país administradas pelo PT — a prefeita é a ex-deputada Margarida Salomão —, tem sua agenda para a efeméride dos 60 anos.

O secretário especial de Direitos Humanos, Gabriel dos Santos Rocha, tem mantido contato com a família de Jango para a realização dessa marcha do Rio à cidade mineira, “berço” do golpe. Foi batizada de “Marcha da Democracia”. Ali, se deram as primeiras prisões, na véspera de 31 de março de 1964.

 10/11/2023 Crédito: Evandro Éboli/CB. Ditadura. João Vicente Goulart, filho do ex-presidente Jango, deposto pela ditadura. É autor de ação para o Brasil reconhecer a tortura contra nove chineses na ditadura.
João Vicente, filho de Jango, com foto dos nove chineses torturados(foto: Evandro Éboli/CB)

“Será um conjunto de atividades no mês de abril. De lembrarmos do que aconteceu para que não se repita mais. Mostrar isso para as novas gerações. A cidade tem essa história para contar. Aqui foi um centro de prisão, mas, também, de resistência. É o que pretendemos mostrar”, disse Gabriel Rocha.

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