Por Emanuel Alencar, publicado em Projeto Colabora –
Em 11 cidades da Região Metropolitana, perda na distribuição passa de 30%: Japeri, na Baixada, é a recordista de má gestão com mais de 53% da água desperdiçada
A construção de uma estação de tratamento de água (ETA), de uma elevatória e de um reservatório em Japeri, na Região Metropolitana do Rio, iniciada há cinco anos, jamais terminou. Com a interrupção da obra, ficaram também suspensas as esperanças de milhares de pessoas em conseguirem, enfim, água nas torneiras de casa. A cidade – cujo prefeito, Carlos Moraes, está preso desde julho de 2018, sob acusação de conluio com o tráfico de drogas – é a recordista em má gestão da Cedae, a companhia de saneamento do Estado do Rio. Nada menos do que 53,3% de toda a água distribuída se perde, seja em vazamentos nas redes, furtos, fraudes em hidrômetros ou usos ilegais. Em todo o Grande Rio, a situação é dramática. Onze das 21 cidades da Região Metropolitana perdem mais de 30% de suas águas de abastecimento.
Os dados constam em documento elaborado pelo Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate), do Ministério Público do Rio, anexado a inquérito que vem sendo avaliado pelo Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), ao qual o #Colabora teve acesso com base na Lei de Acesso à Informação. O descaso com um bem tão precioso cobra sua fatura: gera desperdício de recursos públicos que são, geralmente, repassados ao usuário por meio de tarifas.
Membro do Fórum Popular Permanente de Japeri, Esdras da Silva diz que o coletivo ainda tenta levantar detalhes da situação da gestão do saneamento no município que padece com os piores Índices do Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Por lá, o descaso no saneamento assume sua face mais nociva, ao impor à uma população extremamente vulnerável, riscos ainda maiores.
“Na região central de Japeri, são sete bairros e cerca de 30 mil pessoas dependendo da construção da estação de tratamento de água. Embora essas famílias tenham encanamento, a maioria das casas sofre com escassez. A obra parou e ninguém mais sabe quando será concluída”, lamenta Esdras.
Com investimentos de R$ 11,3 milhões do governo federal, a construção da ETA teve até cerimônia de inauguração, em 2014. As obras caminhavam bem, até pararem, em 2016. De lá para cá, nada mudou. No ano passado, a Cedae abriu concorrência para contratar empreiteira para concluir os serviços, com valor-base de R$ 24,11 milhões. O Tribunal de Contas do Rio (TCE) afirma haver inconsistência em algumas regras do edital, que devem ser revistas.
No início de 2017, a prefeitura de Japeri chegou a manifestar o interesse em romper o contrato com a Cedae. Mas não houve avanços nesse sentido. Em maio, o prefeito em exercício, Celso de Melo, protocolou ofício à Cedae pedindo a retomada das obras da estação de tratamento.
Água não entra, mas cobrança chega
Pesquisadora do Observatório das Metrópoles e professora do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Lucia Britto destaca que o baixo percentual de instalação de hidrômetros em cidades da Região Metropolitana do Rio é um gatilho para inadimplências. Japeri tem índice de apenas 11% de hidrometração, o mais baixo entre as cidades fluminenses.
“Isso significa que a cobrança é feita por consumo estimado. O usuário não tem controle sobre seu consumo, nem a garantia de que está pagando o valor adequado. Além disso, muitas áreas da Baixada sofrem com intermitência no abastecimento, mas mesmo que a água não entre todos os dias nas casas, a conta chega no fim do mês com o valor baseado no consumo estimado. Um estímulo à inadimplência”, observa. “Da mesma forma, a hidrometração deve ser adotada também em todos estabelecimentos comerciais com medições mensais e cobrança. Muitos desses estabelecimentos na Baixada possuem ligações irregulares e não pagam o que consomem”.
O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) tinha como meta para 2018 no Sudeste atingir o índice de perdas na distribuição de no máximo 33%. Os dados mostram que somente no município do Rio de Janeiro as perdas eram inferiores a esse valor, no ano de 2017.
“A Cedae precisa adotar urgentemente um programa de controle de perdas, orientado pela uma gestão sustentável e que preserve os direitos dos usuários de receberem água todos os dias em suas casas e pagarem um valor justo, respeitando os princípios decorrentes do direito humano à água”, completa Ana Lucia.
Por e-mail, a Cadae informou que está elaborando levantamento de dados com objetivo à instalação de macromedidores em regiões de favelas. Após esse estudo será possível definir quais as primeiras comunidades onde poderão instalar os equipamentos.