Grave: violência e adoecimento mental dos jornalistas em São Paulo

Compartilhe:

Estado lidera registros de ataques físicos e simbólicos à imprensa; hostilidade política e assédio alimentam um cenário de adoecimento psíquico entre profissionais da comunicação

Por Rogério Bezerra, compartilhado de Radar Democrático




Um levantamento geral de pesquisas atuais (que envolveram diversos países, dentre eles o Brasil) sobre os riscos ocupacionais para jornalistas envolvidos com eventos traumáticos foi atualizado por Autumn Slaughter em março de 2019. Segundo esse levantamento:

  • Entre 80 e 100% dos jornalistas que exercem suas profissões já foram expostos a um evento traumático relacionado ao trabalho.
  • 92% dos jornalistas relataram ter vivenciado pelo menos quatro situações traumáticas.
    Em 2018, 348 jornalistas foram detidos em todo o mundo. Alguns desses detidos enfrentaram tortura física, isolamento extremo e outros maus-tratos.
  • Em um estudo com 977 jornalistas, 21,9% relataram ter sofrido violência física em relação ao seu trabalho, e 14,3% relataram ter sofrido violência sexual em relação ao seu trabalho.

Monitoramento realizado pela Abraji mostrou que o ano de 2022 foi um dos mais violentos para os profissionais de imprensa no Brasil. Nos primeiros sete meses daquele ano, foram registradas 66 agressões graves, que envolvem episódios de violência física, destruição de equipamentos, ameaças e assassinatos. Esse número representou um crescimento de 69,2% em comparação com o mesmo período de 2021.

Apesar de uma queda nacional nos registros de violência contra jornalistas em 2024, o estado de São Paulo continua figurando como epicentro dos ataques à liberdade de imprensa no Brasil.

Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2024, divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), registrou 144 casos de agressões, o menor número desde 2018, representando uma queda de 20,44% em relação a 2023, quando foram contabilizados 181 casos.

Todavia, São Paulo continua a ser o Estado com o maior número absoluto de casos de violência: em 2024. Foram computados 23 ataques no ano, que correspondem a 60,5% dos registros da região Sudeste e 15,97% dos casos em nível nacional. Apesar de o Estado concentrar grandes redações e veículos de comunicação, boa parte dos ataques (11) envolveu profissionais de veículos de cidades menores e que não atuam na chamada grande mídia.

Em 2021, estudo do Dieese em parceria com a Fenaj, havia 13.671 jornalistas trabalhando formalmente com carteira assinada no estado de São Paulo, o que representa 28,5% do total nacional nessa condição.

Um estudo da LCA Consultoria (usando RAIS) indicou que, em 2021, o Brasil contava com 38.926 jornalistas em todos os vínculos formais. O estado de São Paulo tinha o maior contingente absoluto: 11.006 profissionais.

A violência que adoece

No Brasil, onde a desinformação avança e o jornalismo é constantemente atacado, exercer a profissão deixou de ser apenas um compromisso com a verdade: tornou-se um fator de risco para a saúde mental. O que está em jogo não é apenas a liberdade de imprensa, mas o bem-estar psíquico daqueles que a sustentam.

O estudo “Jornalistas vítimas de violência: estudo das circunstâncias e repercussões subjetivas”, conduzido por Fernanda Rodrigues, Mônica Nunes e Andréia D’Oliveira, revela o impacto subjetivo da violência sofrida por jornalistas. Os relatos colhidos na pesquisa não falam apenas de agressões físicas ou assédios verbais. Eles escancaram o sofrimento psíquico que se acumula na solidão das redações, no medo que acompanha cada apuração e na impotência diante da impunidade.

Levantamento feito pela Federação Internacional dos Jornalistas durante a pandemia revelou que 61,25% dos jornalistas brasileiros, que participaram da pesquisa, afirmaram ter notado aumento da ansiedade e do estresse no trabalho.

Isso porque, o ambiente profissional – físico ou online -, que deveria oferecer suporte e ética, muitas vezes reproduz práticas de assédio e desvalorização.

Sobre práticas de desvalorização, o levantamento constata que 59,18% dos jornalistas perderam benefícios e salário durante a pandemia. Outros 7,27% perderam o emprego. 7,61% viveram aumentos das desigualdades na redação. E 22,49% vivenciaram mudança nos padrões do trabalho.

E as ruas, território essencial da apuração jornalística, tornaram-se palcos de hostilidade e brutalidade. Para 16% dos jornalistas, por exemplo, a falta de equipamento para proteção em trabalho externo foi uma constante.

A violência contra jornalistas tem repercussões severas: ansiedade, síndrome do pânico, insônia, traumas psicológicos, sentimentos de inutilidade e abandono. A cada ataque, não se fere apenas o corpo ou a reputação, mas o próprio senso de identidade e propósito. Como revelam as autoras, a exposição repetida a situações de ameaça mina a autoestima, gera despersonalização e, em casos extremos, leva ao afastamento definitivo da profissão.

Essas experiências têm gênero, classe e cor. Mulheres jornalistas, em especial, relatam formas cruzadas de violência: são desacreditadas, perseguidas e silenciadas não apenas por sua atuação, mas por sua existência num espaço historicamente hostil ao feminino.

A naturalização dessa realidade é talvez a face mais cruel dessa violência. Quando informar passa a ser entendido como um ato que merece punição, o jornalismo perde sua força social e a democracia sua essência. O adoecimento psíquico dos jornalistas é um sintoma grave de uma sociedade que, em vez de proteger seus comunicadores, os deixa expostos, vulneráveis e, frequentemente, sozinhos.

Caminhos possíveis contra o avanço do adoecimento mental

Definição clara do que são riscos psicossociais na NR 1: o Diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Marcelo Kimati, fala no PodSin (podcast do do Sindicato das Psicólogas/os de São Paulo) das mudanças ocorridas no texto da Norma Regulamentadora n. 1 (NR 1), aprovadas em 2025, em que foi incluída a categoria riscos psicossociais dentro do gerenciamento de riscos ocupacionais das empresas, como uma tentativa de combater parte dos impactos negativos do estresse, assédio moral, carga excessiva de trabalho e desregulamentação.

O presidente do Sindicato de Psicólogas de São Paulo, Rogério Giannini, alerta para dois fatores preocupantes relacionais à incorporação de riscos psicossociais pela NR 1. O primeiro, é o de as empresas adotarem um discurso medicalizante em relação à saúde mental dos trabalhadores. Ou seja, patologizar de forma individual uma questão oriunda da própria estruturação do capital diante do trabalho.

Outro ponto que ele destaca é o de que a nova redação da NR pode incentivar a multiplicação de consultorias, “coachings de saúde mental, que irão administrar cursinhos para ‘prevenir’ casos de adoecimento mental”. Nesses casos, “além de não focarem no que é central, ou seja, o modo como o trabalho foi se tornando cada vez mais precarizado e sem garantias de proteção ao trabalhador, corre-se o risco de em um eventual processo trabalhista, a empresa usar esses argumentos para eliminar o nexo causal entre ambientes de trabalho tóxicos e adoecimento mental”, destaca Gianini.

Se as entidades e o movimento sindical não estiverem atuantes no processo de regulamentação da NR, a norma pode se tornar mais uma proteção às empresas do que aos trabalhadores.

Cooperação FENAJ-Fundacentro: tendo ciência desses dados alarmantes, a Secretaria de Saúde e Segurança da FENAJ considerou fundamental realizar uma pesquisa nacional para compreender o impacto na saúde mental em jornalistas. Para isso, em 2024, a Federação estabeleceu uma parceria com a Fundacentro, órgão de excelência em pesquisa de saúde e ambientes de trabalho. A pesquisa está em andamento, com os resultados previstos para serem divulgados no segundo semestre de 2026.

Fim da Escala 6×1: A PEC 8/2025 (Proposta de Emenda Constitucional), de autoria da deputada Erica Hilton (Psol-SP), que prevê a redução da jornada de trabalho, gerou uma saudável discussão na sociedade sobre as condições de trabalho no país. A redução da jornada de trabalho é um dos elementos chaves para a melhoria das condições de saúde mental dos/das trabalhadoras, propicia mais tempo para o descanso, convívio familiar e “reposição das energias” gastas em ambientes insalubres, que afetam – e muito – a saúde da população.

Diante da permanência — e da sofisticação — da violência contra jornalistas em São Paulo, torna-se evidente que os modelos tradicionais de proteção à categoria não têm sido suficientes. É preciso tensionar o próprio discurso da resiliência. Naturalizar a ideia de que jornalistas devem suportar todo tipo de hostilidade como parte da profissão contribui para perpetuar o ciclo de adoecimento. Em vez disso, é necessário fomentar uma cultura de responsabilização social — que envolva o Estado, empresas jornalísticas e a sociedade civil — por cada ataque que transforma informação em risco.

Norian Segatto é jornalista e dirigente da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas.


* O Radar Democrático publica artigos de opinião de autores convidados para estimular o debate.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Categorias