Por Marcelo Mário de Melo, jornalista.
Texto publicado no Jornal do Commércio, Recife-PE
Entrei na base secundarista do PCB, no Colégio Pernambucano, no início de 1961. Em 1962 tive um contato mais próximo com Gregório Bezerra, que coordenava a campanha de Miguel Arraes a governador de Pernambuco, enfrentando o candidato das oligarquias, o usineiro João Cleófas de Oliveira.
Durante a campanha eu saía de tarde nos carros alto-falantes. E à noite, de segunda a sábado, era anunciador dos comícios suburbanos. Ia no jipe dirigido por Gregório, que falava em três comícios por noite e, no final da jornada, vinha com o carro lotado, deixando companheiros em casa – eu, entre eles. Nos plantões no comitê, ouvi de Gregório muita história antiga, de resistência, protesto e prisão.
Foi nessa época que eu e a minha namorada judia escolhemos Gregório como nosso futuro padrinho de casamento. Mas ela foi levada para Israel pela família e Gregório levado para a cadeia pela ditadura. E o casamento e as “reformas de base” na sociedade brasileira entraram por uma perna de pinto e saíram por uma perna de pato.
Fiz visitas a Gregório na Casa de Detenção do Recife e uma vez levei dentro do sapato um exemplar do jornal Combater, editado pelos comunistas pernambucanos. De 64 pra 65 rompi o ano com os presos políticos da Casa de Detenção, sem imaginar que ali também passaria uma temporada. Depois da sua volta do exílio, vi Gregório poucas vezes.
Dentro do espírito de que o homem é um animal político e o político é um animal humano, vou recortar aqui três momentos de Gregório Bezerra que considero de importância para desenhar o seu perfil de revolucionário e de pessoa.
PRIMEIRO MOMENTO – Gregório me disse que fumava, mas um dia, vendo um preso político, durante a ditadura Vargas, se agachar e se esgueirar, tentando apanhar pela grade da cela uma ponta de cigarro largada no chão por um policial, sentiu uma repugnância tão grande que jurou nunca mais fumar na sua vida. E cumpriu.
SEGUNDO MOMENTO – Quando visitei Gregório pela primeira vez, na Casa de Detenção do Recife, ouvi dele a lamentação: “em 35, tínhamos armas e não tínhamos massa; em 64, tínhamos massa e não tínhamos armas”.
Era o lamento de um guerreiro impossibilitado de lutar, e não a racionalização filistéia dos que interpretaram o golpe de 64, não como uma resposta inevitável das classes dominantes ante o crescimento do movimento de massas, para a qual era preciso que se estivesse preparado, mas como um efeito da radicalização de alguns setores ( minoritários) do movimento popular. Essa leitura guerreira da derrota sofrida com o golpe de 64 é ratificada por Gregório no segundo volume das suas memórias.
TERCEIRO MOMENTO – Gregório estava na cidade de Palmares, na Zona da Mata canavieira de Pernambuco, quando eclodiu o golpe. Alguns dirigentes camponeses o procuraram e sugeriram ficarem em assembleia permanente na sede do sindicato rural. Gregório lhes disse que o tempo não era mais para aquilo. Saíssem de casa, avisassem às famílias e fossem pra dentro do mato, que ele iria no Recife trazer armas para a resistência.
Foi e voltou de mãos abanando, porque armas não existiam. Segundo afirmação de David Capistrano na minha primeira reunião clandestina no Recife, para a rearticulação do PCB, o revólver do próprio Gregório só tinha quatro balas.
Quando partiu para o Recife atrás de armas, Gregório Bezerra cumpriu antes uma tarefa que também considerava importante: foi entregar uns chocolates que havia prometido a uma das filhas do companheiro Severino Aguiar, pai de Ivan Aguiar, estudante de engenharia metralhado em praça pública no Recife, no dia do golpe, juntamente com o estudante do Colégio Pernambucano, Jonas Barros.
Entre as outras, esta é a imagem de Gregório Bezerra que eu desejo enaltecer agora, e que gostaria que se reproduzisse nas gerações do presente e do futuro: a de um revolucionário que se preocupava em levar armas para os combatentes e chocolates para as crianças.