Por Winston Morgan* do The Conversation , compartilhado de Projeto Colabora –
No Reino Unido, adversários da imunização divulgam informações falsas e aproveitam temores históricos e enraizados pelo racismo estrutural
Lidar com as dúvidas e os temores sobre a vacina entre as comunidades negras do Reino Unido é tão complexo quanto lutar contra a pandemia. Isso porque, assim como o vírus SARS-CoV-2 evolui, o mesmo ocorre com a hesitação entre esta população. Na primeira onda da pandemia, quando ficou demonstrado que o vírus estava afetando certos grupos étnicos de forma desproporcional, uma solução proposta pelos profissionais de saúde foi iniciar a implementação da vacina nas comunidades mais vulneráveis, incluindo pessoas de raça negra, asiática e minorias étnicas grupos.
Isso preocupou essas comunidades, pois, normalmente, elas nunca estão na frente da fila no que diz respeito aos melhores tratamentos médicos, principalmente aqueles de classes socioeconômicas mais baixas. Algumas pessoas começaram a especular que a razão era porque a vacina era experimental e os negros estavam sendo usados como cobaias.
Em algumas comunidades, isso fez disparar sinais de alerta, trazendo à tona muitos exemplos históricos de pessoas negras sendo usadas para tratamentos médicos experimentais ou antiéticos. O primeiro debate sobre vacinação ocorreu durante a comoção internacional sobre as desigualdades raciais desencadeadas pelo assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos. Portanto, as pessoas provavelmente se sentiram capacitadas para fazer perguntas sobre os testes e a segurança da vacina, e muitas mais terão aprendido sobre o contexto histórico que aumentou a suspeita.
Pessoas nas comunidades negras também podem ter começado a refletir sobre seu próprio tratamento médico e o de suas famílias. Está claro que os negros tendem a ter problemas de saúde muito piores do que o resto da população do Reino Unido; são o grupo que mais sofre de doenças cardíacas e renais, de pressão arterial, de diabetes, de certos tipos de câncer e também com morte durante a gravidez. Historicamente, os negros também são mais propensos a serem internados por problemas de saúde mental.
Todos esses fatores podem explicar porque, em 2020, muitos negros não podiam simplesmente dizer sim quando questionados se tomariam uma vacina nova, sem poder fazer perguntas. Como negro, fazê-lo naquele momento seria mostrar sua ignorância do que se estabeleceu como racismo médico sistêmico histórico e atual. O que os negros precisavam era de garantias dadas por indivíduos que eles respeitavam e em quem podiam confiar. Por razões estruturais e políticas, incluindo a falta de cientistas negros nos níveis mais altos de tomada de decisão, isso não aconteceu e, portanto, a hesitação e o temor persistiram.
Fake news e racismo estrutural
Na fase dois da pandemia, agora temos vacinas que foram testadas e são comprovadamente seguras, eficazes e aprovadas por autoridades em todo o mundo. Milhões receberam injeções com imunizantes em países tão diversos como o Reino Unido, EUA, Israel e Índia sem quaisquer efeitos adversos graves.
Mas a hesitação sobre a vacina contra a covid-19 agora evoluiu e está sendo impulsionada por grupos anti-vacinação que transformaram as preocupações das comunidades BAME (Black, Asian and Minority Ethnic – Negros, asiáticos e minorias étnicas, classificação usada pelo governo britânico para alguns programas: nota do tradutor) em armas contra imunização, com base em eventos históricos genuínos, adicionando alegações infundadas de que as vacinas poderiam, por exemplo, violar leis religiosas ou afetar fertilidade. Essa novo temor, mais “transmissível”, é também mais difícil de combater com argumentos factuais porque é alimentado com novas informações falsas, que são adicionadas diariamente através das redes sociais e da internet.
Mais preocupante é que, à medida que os relatos de temores sobre a vacina se tornam mais difundidos na mídia, mais pessoas podem se recusar a ser vacinadas – e não apenas os negros. Em minha experiência de participação em fóruns sobre hesitação sobre vacinas, percebi que, para alguns indivíduos, as informações conflitantes estão causando uma grande angústia e eles sofrem sem saber o que fazer. O pior é que, enquanto eles hesitam, continuam sob crescente perigo do vírus – um golpe epidemiológico duplo.
Para reverter a situação, precisamos olhar para o auge da primeira onda da pandemia quando, impulsionado por um clamor da comunidade negra, o Sistema de Saúde Pública do Reino Unido produziu uma relatório, mostrando que o longo histórico de desigualdade deixava os negros e outros minorias mais vulneráveis à covid-19 e que a doença potencializava as desigualdades. Coordenador do relatório, o diretor regional de Saúde Pública da Inglaterra, professor Kevin Fenton, fez várias recomendações sobre como lidar com o racismo estrutural na prestação de serviços médicos e de saúde pública.
Problemas estruturais significam que poucos cientistas negros, médicos e profissionais de saúde pública estão em posições de influência e poder onde podem identificar problemas por meio de pesquisas e, em seguida, comunicar soluções. Isso é o que está faltando agora. Esses indivíduos teriam maior tração com os membros hesitantes da comunidade negra.
Mas o atual governo do Reino Unido não gosta de reconhecer o racismo estrutural, o que, além de ser equivocado, aumentará a desconfiança e a hesitação sobre as vacinas.
Temos que entender que os antivaxxers (grupos antivacina) são contra a própria vacinação. Eles nunca aceitarão que nenhuma vacina seja segura. Para vencê-los, devemos, em vez disso, convencer os indivíduos hesitantes dos benefícios pessoais e sociais de tomar a vacina contra a covid-19. Simplesmente tentar provar que é seguro desmascarando mito após mito pode não funcionar, pois sempre haverá outra história de terror.
A facilidade com que a hesitação e os temores sobre a vacina contra a covid-19 se consolidaram confirma que, a longo prazo, há muito mais trabalho a ser feito para reconquistar a confiança de pessoas que têm muitos bons motivos para serem céticos em relação ao sistema médico.
*Winston Morgan é pesquisador em Bioquímica Clínica e diretor de Impacto e Inovação da Universidade do Leste de Londres (Reino Unido)
Tradução de Oscar Valporto