Por Jornalismo e Democracia –
Um espectro ronda o jornalismo — o espectro do autoritarismo. É o que aponta o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa de 2018, do Repórteres Sem Fronteira (RSF), que mostra como o ódio direcionado a jornalistas cresceu nos últimos anos.
Profissionais são impedidos de realizar seu trabalho, perseguidos por suas reportagens, ameaçados por suas descobertas. Não que a caça às bruxas (ou aos jornalistas, no caso) seja um fenômeno novo, mas os protagonistas da trama mudaram.
Desta vez, o autoritarismo não emana de grandes ditadores, tomando o poder a força e subjugando o povo a suas vontades. Do resultado inconteste de urnas, em sistemas reconhecidamente democráticos, emergem líderes que não apenas rejeitam o jornalismo — eles o condenam como o verdadeiro mal na Terra.
“A mídia fake (New York Times, NBC News, ABC, CBS, CNN) não é minha inimiga, ela é inimiga do Povo Americano!”
— Donald J. Trump, 45º presidente dos Estados Unidos da América, eleito com 62.984.828 votos
“Só porque você é um jornalista, você não está isento de ser assassinado, se for um filho da puta”
— Rodrigo Duterte, 16º presidente das Filipinas, eleito com 16.601.997 votos
“Para jornalistas”: inscrição gravada na réplica de um rifle AK-47, que o líder exibiu durante uma coletiva de imprensa
— Miloš Zeman, 3º presidente da República Tcheca, eleito com 2.717.405 votos
63
jornalistas assassinados desde janeiro de 2018
30
em países considerados democráticos
Eslováquia (1), Estados Unidos (6), Brasil (4), Indonésia (1), Colômbia (2), Filipinas (3), Índia (6), México (7),
Mas até que ponto uma democracia pode sobreviver sem informação de qualidade?
Se não há uma resposta exata, a análise de dados pode indicar a realidade. O cruzamento de indicadores de liberdade de imprensa e de nível de democracia demonstra uma forte correlação entre os dois fenômenos.
O índice de democracia corresponde ao Democracy Index, elaborado anualmente pela revista The Economist, que calcula o índice de democracia para 167 países, a partir de mais de 60 indicadores diferentes. A escala varia de zero a dez, sendo que o zero corresponde a um regime plenamente autoritário e o 10 a um regime plenamente democrático.
Já o índice de liberdade de imprensa é calculado pela RSF, que avalia 180 países, através de questionários e dados sobre violência contra profissionais da área. Os dados originais variam de zero a 100, com o zero correspondendo a censura total (sem nenhuma garantia de segurança aos jornalistas na região) e o 100 à liberdade completa (nenhuma ameaça aos repórteres).
Para fins de visualização, os dados foram convertidos para uma escala similar a do índice de democracia. Assim, o zero passou a corresponder ao menor nível de liberdade possível e o dez, a liberdade absoluta.
Foram utilizadas as informações de 161 países, presentes nos dois estudos pelos últimos cinco anos. O ano de 2018 não foi contabilizado porque o índice de democracia ainda não foi publicado pela revista The Economist.
Ao lado, é possível verificar a maneira como as organizações classificam estes índices, de acordo com o nível de democracia ou de liberdade de imprensa.
A correlação entre os dois indicadores foi calculada a partir do Coeficiente de correlação de Pearson. Utilizando esta fórmula, é possível perceber que nos últimos anos há um grau consistente de 0.7 de correspondência entre liberdade de imprensa e democracia.
Liberdade sem democracia?
Nem sempre a liberdade de imprensa e a democracia andam de mãos dadas.
Principalmente em democracias jovens, o que se vê ainda é um regime sensível, mas com altos índices de liberdade de imprensa.
Por outro lado, alguns países com democracias plenas têm uma correspondência quase exata entre os dois indicadores. É o caso do Canadá, Finlândia, Alemanha e Nova Zelândia, por exemplo. Outros fatores como o grau de desenvolvimento destes países, entretanto, podem explicar este fenômeno.
para entender os dados
Ao lado, uma comparação entre os indicadores de liberdade de imprensa e democracia ao longo dos anos, para cada um dos países analisados.
Democracia sem liberdade?
Na maior parte dos países (61,5%) a liberdade de imprensa está em uma “situação sensível” ou “difícil”. Destas regiões, mais da metade têm regimes híbridos ou puramente autoritários; um terço têm democracias imperfeitas; e apenas a República de Maurícia, um país insular do Oceano Índico com cerca de 1.356.388 habitantes, é considerada uma democracia plena com liberdade de imprensa em situação “sensível”.
Da mesma forma, a grande maioria dos países (95,23%) em uma “situação boa” ou “relativamente boa” em relação à liberdade de imprensa, são considerados democracias plenas ou imperfeitas. Nos dados analisados, apenas Comores (outro conjunto de ilhas no Oceano Índico, com cerca de 806.153 habitantes) e Burkina Faso (no noroeste africano, com 15.757.000 habitantes) não se encaixam neste padrão.
Sem surpresas, em todos os países considerados autoritários, a situação da liberdade de imprensa é considerada “grave”. Uma nação sem espaço para o jornalismo, também será uma nação onde a democracia não tem vez.
- DEMOCRACIA
-
Democracia plena
-
Democracia imperfeita
-
Regime híbrido
-
Regime autoritário
para entender os dados
Os países estão distribuídos de acordo com a classificação definida pelos Repórteres Sem Fronteira, de acordo com a escala personalizada utilizada nos gráficos anteriores. Países com um índice de liberdade de imprensa
- maior do que 8.5, são considerados em uma situação boa;
- entre 7.5 e 8.5 pontos, são considerados em uma situação relativamente boa;
- entre 6.5 e 7.5 pontos, em uma situação sensível;
- entre 4.5 e 6.5 pontos, em uma situação difícil;
- e abaixo de 4.5 pontos, em uma situação grave.
Por Bibiana C. Davila, para a cadeira de Ciberjornalismo II.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, novembro de 2018.
