Guilherme Amado e o contexto sobre a matéria da “dama do tráfico” do Estadão

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“Qual a prova que vocês têm de que houve a denúncia?” Às pessoas menos acostumadas com o rito jornalístico vou tentar explicar o que significa uma pergunta assim. Ela não é exatamente uma pergunta.

POR RENATO ROVAI, COMPARTILHADO DA REVISTA FÓRUM




Guilherme Amado e o contexto sobre a matéria da “dama do tráfico” do Estadão
Luciane Barbosa Farias, a “dama do tráfico”, segundo o Estadão, e Flávio Dino. Instagram / Wikipedia / Ministério da Justiça

Neste domingo às 22h13 fui procurado pelo jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, cujo dono é Luiz Estevão (vejam perfil na Wikipedia). Bastante contrariado (por motivos óbvios, domingo às 22h13 não é hora pra se procurar alguém buscando informações sobre algo que não tem qualquer urgência), autorizei que me ligasse. Ele já começou a conversa assim (ipsi literi):

“Qual a prova que vocês têm de que houve a denúncia?”

Às pessoas menos acostumadas com o rito jornalístico vou tentar explicar o que significa uma pergunta assim. Ela não é exatamente uma pergunta. Ela já vem com uma resposta. O repórter está partindo do pressuposto que a matéria que fizemos sobre a denúncia ao MPT-DF contra o Estadão e Andreza Matais fora inventada. Não se tratava de um diálogo, mas de um interrogatório o que viria. Com 37 anos de estrada na profissão, entendi a armadilha e perguntei se ele já estava com a matéria pronta e qual era o seu interesse. Ao que Amado escapuliu com desculpas esfarrapadas e desligou.

EXCLUSIVO: Denúncia ao MPT-DF relata armação de Estadão no caso “Dama do Tráfico”

Isso importa saber por que tudo tem um contexto. E na noite anterior Sam Pancher, também do Metrópoles e conhecido propagador de fake news, como a de que o deputado Nikolas Ferreira teria falado na ONU, fez uma sequência de tweets dizendo que qualquer um poderia ter feito a denúncia contra o Estadão e Matais de forma anônima.

Como se a matéria da Fórum tivesse dito algo ao contrário. Pancher descobriu o quê? O óbvio, denúncias ao MPT em geral são anônimas. Talvez mais do que 90% delas. Afinal, trabalhadores correm riscos quando denunciam patrões. E a contra o Estadão e Matais também foi.

Mas o que Fórum fez após ter recebido os prints da denúncia pra não cometer injustiças.

A primeira coisa foi verificar com o seu jurídico se de fato havia uma denúncia. O que foi confirmado por nossos advogados consultando o processo. Havia um número formal. Isso não significa que havia investigação em curso, mas a denúncia sim.

Após isso começamos a procurar pessoas que trabalham ou trabalharam no Estadão para saber se o contexto relatado na denúncia era real. Falamos com três jornalistas. Todos confirmaram em off. E acrescentaram outros detalhes que decidimos não publicar por se tratar de off e porque criariam problemas para Andreza Matais, tratada por todos como uma chefe que impõe a seus repórteres alinhamento total às suas ideias e às do veículo.

Duas dessas fontes confirmaram que a reportagem da suposta “dama do tráfico” chegou pronta no veículo. Em forma de um dossiê, provavelmente preparado por algum desafeto de Flávio Dino ou que tinha algum interesse em desgastá-lo. O autor da denuncia ao MPT-DF fala no presidente do TCU, Bruno Dantas. Me parece uma ilação do denunciante. Uma informação que ele não tinha confirmada, mas que inferiu por Andreza Matais tratá-lo como fonte. Essa parte da denúncia de fato me parece frágil e pude dizer isso ao próprio Dantas num longo telefonema que tivemos após a publicação da reportagem na Fórum.

Ou seja, o que quero dizer com isso é que não foram os repórteres do Estadão que ficaram fuçando o site do Ministério da Justiça procurando reuniões de secretários de Dino para encontrarem uma esposa de um traficante do Amazonas e lhe atribuírem o epíteto de dama do tráfico. Isso, segundo a fonte do MPT, e dois dos três jornalistas que Fórum ouviu, veio como um dossiê que chegou para Matais e que ela repassou à “apuração” dos repórteres.

O que isso significa? Significa que o Estadão nesta reportagem serviu ao interesse de alguém que queria desgastar Dino. E mais do que isso, que fez isso numa apuração tosca. Já que disse que a suposta dama do tráfico era condenada, mas as visitas e as fotos que ela fez foram em março, quando não recaía sobre ela nenhuma condenação, como revelou Leandro Demori em suas redes.

Outra coisa, a apuração do epíteto “dama do tráfico” também não existiu. Como um dos autores da matéria confirmou numa troca de tweets com a jornalista Cynara Menezes. Tweets que depois o jornalista do Estadão apagou, afinal ele disse que uma fonte se referiu assim a ela. Mas o Estadão publicou que ela era conhecida como dama do tráfico para constranger Dino e reforçar a desatenção dos assessores do Ministério em recebê-la.

Enfim, esses jornalistas que conversaram em off com a Fórum foram além desta matéria no que diz respeito à forma como Andreza Matais comanda a editoria de política do jornal. Um deles chegou a dizer que em breve haverá um “me too” contra Andreza por assédio tamanha a insatisfação de gente que já saiu da redação como de quem ainda está lá.

Isso não era importante para nossa reportagem e por isso não tratamos de todos esses bastidores. Afinal, o que queríamos saber era se a denúncia ao MPT-DF era crível. E ela por si só se bastava e estava documentada.

Qualquer um pode fazer uma denúncia ao MPT? Sim, evidente. Como qualquer um pode fazer uma denúncia a um veículo de comunicação. Cabe aos jornalistas apurarem se aquilo faz sentido e condiz com a realidade. Que foi o que Fórum fez antes de publicar.

No mais, se pergunte por que um jornalista procura um colega de profissão às 22h13 de um domingo querendo interrogá-lo sobre uma reportagem que sequer ele é o autor. Afinal, quem assinou e apurou a maior parte da matéria foi Marcelo Hailler, que tem 20 anos de profissão. Evidente que isso é uma clara tentativa de intimidação e no fundo uma ameaça para que a gente recuasse na nossa apuração. Se deu mal tanto Guilherme Amado como pra quem ele trabalha ou estava trabalhando nesta noite quase madrugada de domingo. Nós não nos deixamos intimidar.

Por fim, essa não é a primeira matéria sobre denuncia ao MPT contra o Estadão. O repórter Vinicius Segalla, no DCM, fez uma outra antes, no dia 5 de outubro. A denuncia também cita Andressa Matais que é acusada de fraude em documentos de registro de horas extras. A investigação está em curso. A responsável pelo caso é a procuradora do trabalho Elisa Maria Brant de Carvalho Malta.

Finalmente, respondendo a pergunta do Guilherme Amado. Sim o processo existe e pode ser checado neste extrato de procedimento. O número é NF 03 00032023.10000-2. Ele mesmo poderia ter checado isso. Ainda não foi distribuído para um procurador, mas como dito de forma clara no texto da Fórum é uma notícia-fato que foi encaminhada ao MPT do DF e a Fórum, que checou a informação e decidiu publicar.

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