Gusttavo Lima e a farra dos sertanejos

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Nem só de tratores, caminhões de lixo e ônibus escolares superfaturados vive o orçamento secreto da aliança de Bolsonaro com o Centrão, em ligação direta com as prefeituras, para distribuir verbas públicas sem nenhum controle em plena campanha eleitoral.

Por Ricardo Kotscho, no UOL, compartilhado de Construir Resistência




Ficamos sabendo agora que eles se preocupam também com a cultura, como mostra reportagem de Daniel Weterman no Estadão, em que ele conta como o presidenciável André Janones, do Avante, destinou R$ 1,9 milhão para show com o sertanejo Gusttavo Lima, em Ituiutaba (MG), sua cidade natal.

No total, Janones descolou R$ 7 milhões para a feira agropecuária da cidade, às vésperas da eleição, de 12 a 25 de setembro. O show de Gusttavo Lima faz parte do pacote, que terá até Zezé de Camargo e Luciano e outras estrelas da música sertaneja.

Como os showmícios foram proibidos pela Justiça Eleitoral, Janones e outros candidatos encontraram um jeito de promovê-los em feiras agropecuárias, tão do gosto do presidente e seus seguidores, com a vantagem de que quem vai pagar as despesas é o dinheiro dos nossos impostos.

Janones disse ao Estadão que, se for eleito presidente, vai promover esses shows em todo o Brasil. Mas não corremos este risco porque o candidato não passa de 2% nas pesquisas.

O mecanismo só foi descoberto graças a uma polêmica da cantora Anitta com o sertanejo Zé Neto, um crítico dos artistas da MPB que fazem shows com verbas patrocinadas pela Lei Rouanet de incentivo cultural, tão demonizada pelo governo Bolsonaro.

Logo em seguida, Gusttavo Lima, um fervoroso bolsonarista, entrou na roda para defender Zé Neto com o mesmo discurso, atacando outros artistas e o “comunismo” num recente show em Brasília.

Foi assim que se descobriu a mamata de Conceição do Mato Dentro, uma cidadezinha mineira, que estava patrocinando um show de Gusttavo Lima com R$ 1,2 milhão de dinheiro público, fora as mordomias _ desviado das verbas de educação e saúde do município, soube-se depois.

Após a denúncia, o contrato foi cancelado, mas agora o cantor quer receber 50% de multa.

Em entrevista à Folha, na semana passada, Sergio Reis, o decano da música sertaneja, ex-deputado bolsonarista, saiu em defesa dos colegas de mamata, argumentando que verbas das prefeituras “não são dinheiro público, mas destinadas para o público”, pois pode assistir aos shows de graça. Só faltava eles também cobrarem ingresso, além do cachê.

Nos últimos anos, cresceu nos interiores do país um Brasil subterrâneo, longe das vistas de Brasília, onde verbas públicas irrigam estas feiras agropecuárias, rodeios e festas populares, intermediadas pelas prefeituras, em que os artistas sertanejos deitam e rolam, o que explica o seu irrestrito apoio ao governo.

Isso não é novidade para parlamentares que disputam a reeleição, mas é a primeira vez que aparece na história o nome de um candidato a presidente da República que se vale desse esquema em troca de votos.

Voltamos aos tempos em que os candidatos distribuíam botinas, dentaduras, tijolos, remédios e outras benesses para os eleitores, com a diferença de que o faziam com recursos próprios.

Agora é tudo patrocinado com as verbas do orçamento secreto, que em dois anos já somaram mais de R$ 30 bilhões, mais do que os fundos partidários e eleitorais somados. Dá para se ter uma ideia da vantagem que levam os candidatos à reeleição.

Certa vez, após as eleições de 1989, participei de um debate, em Belo Horizonte, com o marqueteiro da campanha de Collor, sobre campanhas eleitorais. Lá pelas tantas, um candidato algo ingênuo confessou: “Eu compro voto mesmo, não acredito nesse negócio de marketing que vocês estão falando aí. Todo mundo compra. Se eu não faço isso, não me elejo. Corrupto não sou eu, mas o eleitor, que vem me pedir as coisas…”. A notícia correu a cidade, e ele acabou tendo sua candidatura cassada.

Faltam 122 dias para a eleição.

Vida que segue.

Em tempo: nada contra a música caipira, que eu adoro, desde os tempos de Tonico e Tinoco.

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