O anúncio de Geraldo Alckmin de que vai construir duas estações de produção de água de reuso mais se parece com um passe de mágica do que com uma solução para a seca em São Paulo.
A ideia não é nova.
A experiência pioneira no estado foi fruto de uma parceria entre a prefeita Marta Suplicy e o governador Mário Covas.
Em 2001, Covas inaugurou no bairro do Ipiranga a primeira Estação de Tratamento de Esgoto voltada à produção de água de reuso.
O cliente foi a Fábrica de Linhas Correntes. A iniciativa rendeu bons resultados, vigorando até os dias de hoje.
Menos nobre, porém, é o reuso para consumo humano.
Ao afirmar que irá produzir 3 m³/ s de água de esgoto para abastecer os sistemas de Guarapiranga e Alto Cotia, Alckmin tenta transmitir a imagem de gestor inovador, mascarando a inépcia de sua gestão com relação ao planejamento dos recursos hídricos.
Não há soluções de curto prazo. Simples assim.
Esta não é a primeira vez e não será a última que ele lança mão desse tipo de expediente para simular eficiência. Alckmin já contratou, sem sucesso, o bombardeio de nuvens como meio de salvar o Sistema Cantareira.
Missas e novenas tornaram-se corriqueiras, orando por chuvas e trovoadas.
Falou-se numa reunião dele com a famosa Fundação Cacique Cobra Coral. Máquinas de fazer água surgiram como alternativas.
Usando a pinta de bom moço, ele chegou a repetir, no início da crise, o que seu pai já dizia no interior: meses que terminam em ‘bro’ chove. Se não fazia sentido no passado, continua não fazendo hoje.
Tratar esgoto para consumo não é magia e demandará explicações mais consistentes.
A ideia não é nova e já é amplamente utilizada em países com precária disponibilidade do líquido que virou ostentação na maior cidade da América Latina.
A cidade de São Paulo, mesmo, conta com o reuso para lavagem de ruas, regar jardins e outras finalidades, por exemplo.
Para disponibilizar essa água para consumo humano há que se considerar a precaução e o rigor no tratamento.
Com o histórico de descarte de efluentes domésticos e industriais em nossos rios, encontra-se de tudo um pouco. De substâncias orgânicas a inorgânicas, de metais pesados a poluentes orgânicos persistentes.
Disponibilizar água a partir da descontaminação de esgoto com tamanho nível de substâncias é, no mínimo, temeroso. Tratar efluente desta magnitude exige técnica apurada, controle sanitário minucioso e alto custo do produto final.
São conhecidos os efeitos da bioacumulação de metais pesados decorrentes da ingestão de água contaminada, em particular os danos aos sistemas imunológico, renal e nervoso, além do trato gastrointestinal.
De suspeita, basta a segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira.
Na Constituinte Estadual, em 1989, o grande debate para a construção da nova Carta Estadual foi entre ambientalistas e deputados estaduais. Estava em jogo o bombeamento das águas do Rio Pinheiros para a Represa Billings.
Na época, a principal preocupação de ecologistas era com o fato de que a Billings não poderia receber o esgoto do Pinheiros.
Com o intuito de gerar energia para a usina Henry Borden, a FIESP jogava pesado para transformar o importante manancial da zona sul em latrina. Seu presidente era então Mário Amato, fiador do bombeamento.
Com a transposição do Pinheiros para a Billings, teria sido inevitável sua transformação em cloaca.
Mesmo com a derrota do empresariado, todos sabem o atual estado de preservação daquela que já foi a Riviera Paulista. Agora, diante da eminente escassez hídrica, Alckmin apronta mais uma solução marqueteira: tratar esgoto para consumo.
Medidas de longo prazo? Nenhuma linha, nenhum pronunciamento.