Haddad é o nome certo para enfrentar o fascismo

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Por Igor Fuser, Professor de relações internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC), no Brasil 247 

Quem sugere, de forma aberta ou velada, esvaziar a candidatura de Fernando Haddad a partir de cálculos eleitorais – e não está agindo de má fé, com vistas a conter a onda vermelha que ganha corpo pelo Brasil inteiro, como faz a Rede Globo –, me desculpe, mas não entendeu o que está acontecendo no país desde 2016, ou de 2014, ou de 2013.

Ricardo Stuckert

Antes de tudo, qualquer gesto nesse sentido seria um absurdo lógico. Afinal, onde já se viu a base de apoio de um candidato, um dos dois líderes de intenção de voto ao segundo turno, abandonar o campo de batalha com base na suposição duvidosa de que, na etapa seguinte, a do eventual confronto contra o oponente apontado como o “mal maior”, um terceiro concorrente, menos cotado no momento, teria maiores chances? Tal conduta entraria para os manuais de ciência política com um exemplo de insensatez.




Para entender o que está em jogo, se faz necessário voltar a atenção para as motivações ocultas do golpe de 2016. As forças políticas e sociais que, com o apoio discreto do imperialismo estadunidense, se aliaram para depor a presidenta legítima Dilma Rousseff tinham o objetivo imediato, bastante evidente, de cortar o ciclo de mandatos liderados pelo PT e impor, o quanto antes, sua própria agenda de neoliberalismo extremo e entrega das riquezas nacionais ao capital externo. Mais do que isso, eles – a burguesia, a elite do Judiciário, os barões da mídia e os políticos de aluguel – queriam banir de uma vez por todas a esquerda da cena pública, em particular o PT, maior partido de massas a surgir em toda a história brasileira.

Era e é essencial, para a direita golpista, criminalizar o PT e suas lideranças, especialmente Lula, estigmatizar a legenda, desmoralizar seus dirigentes, impor por meio de multas e outros mecanismos um impacto financeiro fatal, tudo isso com o objetivo de inviabilizar, por tempo indeterminado, o acesso de qualquer força política de matriz popular a posições de poder no espaço institucional. Delenda PT! Trata-se de demolir, queimar, salgar a terra e espalhar os pedaços, para que nunca mais outro ator político se atreva a desafiar o monopólio do Executivo federal pelas classes dominantes.

Claro, também faz parte da agenda reacionária desarticular os sindicatos – efeito colateral do desmanche trabalhista, sem prejuízo de medidas antilaborais futuras –, desmantelar os movimentos sociais mais combativos, golpear e manter sob assédio o pensamento crítico, as universidades, os professores. Mas o alvo principal, tornado bem visível pela atuação da mídia e da Lava Jato, sempre foi o partido da estrela vermelha.

A débil reação das esquerdas perante o assalto ao Palácio do Planalto indicava rápido progresso na execução desse plano de terra arrasada, e seus arquitetos entraram em êxtase com os resultados das eleições municipais, quando o PT foi varrido de quase todas as prefeituras sob seu comando, de norte a sul. Não faltaram nem mesmo os intelectuais de esquerda que, afoitamente, assinaram como testemunhas o atestado de óbito da agremiação petista, como um produto com prazo de validade expirado.

O fato é que o coração do defunto ainda palpitava, e o PT se ergueu, pouco a pouco, do seu leito de morte. Recuperou o protagonismo na cena política, enquanto o desgoverno Temer naufraga na recessão, no desemprego, nos escândalos de corrupção, nos seus conflitos e contradições internos, que atingiram o ponto mais crítico na mobilização dos caminhoneiros.

O PT não apenas sobreviveu, mas é o único partido apontado pelas pesquisas como detentor do apreço de uma parcela significativa da opinião pública, com a preferência de 19% dos brasileiros, tendendo a aumentar (Datafolha, 2017). Seu líder, mesmo encarcerado, carregando nas costas uma condenação em duas instâncias (ainda falta uma) e a honra ferida por anos e anos de calúnias midiáticas, brilhou nos últimos meses como o candidato preferido dos brasileiros à presidência caso seu ingresso na disputa fosse autorizado por um Judiciário descaradamente partidário e desonesto.

Depois de tudo isso, será que teria cabimento, faria algum sentido sacrificar a candidatura de Haddad no altar de um suposto pragmatismo político só porque algumas pesquisas indicam que, “se a eleição em segundo turno ocorresse hoje”, Ciro Gomes teria mais chances contra Bolsonaro?

Um movimento nesse sentido, de desistir da refrega justamente no momento em que a campanha de Haddad ganha maior impulso, equivale a se render, sem luta, por antecipação, ao antipetismo irracional disseminado pela mídia e pelo Judiciário – uma capitulação vergonhosa, infame, irreversível.

Seria como se o PT proclamasse: “Sim, mea culpa, somos os culpados de tudo o que se fez de errado neste país”; “de fato, no momento, somos inelegíveis para a presidência, por conta dos nossos erros”; “sim, prezado William Bonner, você tem razão, vamos interromper tudo e fazer nossa autocrítica, apregoar aos quatro ventos nossas falhas reais e imaginárias, enquanto vocês, os puros, os imaculados, resolvem a seu critério qual será o destino do país”.

O que se espera dos apoiadores de Haddad? Que eles digam “ok, ilustríssimo juiz Sergio Moro, você venceu, impugnou o PT, mas nós somos mais espertos e vamos enganar você votando no Ciro pra derrotar o Coiso?”

O PT de Lula e de Haddad, aliado ao PC do B na coligação que na semana passada levou multidões às ruas do Recife, de Vitória da Conquista, de Florianópolis, fez a opção oposta – decidiu lutar, na crença firme de que a história se constrói no dia a dia, sem fatalismos. Cada voto conquistado indica a negação de todo um discurso falacioso em que o partido aparece como a síntese de todos os males. Nos termos da moda, é a desconstrução da narrativa golpista. E qual argumento de campanha é melhor do que a experiência vivida pelo próprio povo, esse povo que pela primeira vez teve uma leve noção do que se pode obter de um governo que leve efetivamente em conta as demandas dos menos favorecidos?

Neste momento, a duas semanas de uma eleição que ainda promete momentos terríveis, as pesquisas de intenção de voto são feitas sobre um terreno movediço. Poucas certezas: a posição consolidada do fascista, a rápida conversão das preferências de Lula em favor de Haddad, o fiasco das duas candidaturas do neoliberalismo tradicional (Alckmin e Marina). O segundo turno, se houver, será outra eleição, a ser disputada ao redor de um eixo que certamente trocará o “PT x anti-PT”, por um outro, de ressonâncias épicas: “civilização x barbárie”. Aliás, é o que já começa a ocorrer, na esteira de iniciativas do tipo “#elenão”, puxadas pelas feministas.

Nada garante que, se Ciro chegar ao segundo turno, será poupado da histeria antipetista dos fascistas, já que, afinal, será “o candidato apoiado pelo PT”, aquele que foi ministro nos governos de Lula e de Dilma.

Quem está com Ciro ou com Boulos por acreditar que um desses candidatos é o melhor, ótimo, não vou polemizar. Boa sorte, que vocês conquistem muitos votos, e marcharemos juntos no segundo turno, ao lado de todos os outros que venham se aliar a nós no combate às trevas.

Quem prefere Haddad, mas está vacilando por conta de especulações daquele tipo que os estudantes secundaristas costumam ridicularizar com a expressão “Cálculo Hipotético Universal Técnico-Estatístico” (CHUTE), está, me desculpem a franqueza, fugindo à luta.

Uma coisa parece clara. Se, a principal corrente da esquerda brasileira, a esta altura, depois de todos os percalços, claudicar na hora decisiva de levar Haddad ao segundo turno, podem anotar que nunca, jamais terá as credenciais morais para empreender alguma luta relevante para o povo brasileiro, qualquer que seja essa luta. Política, como poucas outras atividades humanas, exige coragem, disposição para assumir

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