Por René Ruschel, publicado em Carta Capital –
O fotógrafo Brunno Covello registra momentos alegres em meio à permanente tragédia no Haiti
De um lado, o espetáculo das águas coloridas no Mar do Caribe que margeiam o país. De outro, a extrema miséria de uma favela com mais de 360 mil almas que vivem nas piores condições possíveis, a comunidade de Cité Soleil.
Acompanhado do haitiano Marthatias Barthelous, imigrante que conheceu em Curitiba e agora servia de guia, Covello pisava naquele pedaço de chão sem uma pauta definida. A única certeza é de que não iria retratar a fome, a miséria, a pobreza absoluta e os destroços de um país que há anos sofre as consequências de um terremoto.
“Fui para mostrar gente. Contar não o sofrimento, a dor, mas buscar a alegria e a esperança. Encontrei haitianos que cantam, dançam e sonham. Crianças que brincam e sorriem como qualquer outra na Suécia ou Canadá. Queria mostrar essa história.”
O projeto resultou no livro Rekòmanse – Outras faces. Outras histórias e nasceu do cotidiano como repórter fotográfico em um jornal da capital paranaense. A partir da cobertura de reportagens sobre as agruras dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, em 2013, Covello passou a se interessar por suas histórias, justamente em uma cidade com raízes culturais brancas e europeias.
Nas periferias da capital paranaense visitou casas, repúblicas e pensões. Frequentou igrejas, festas, bailes nos fins de semana, além de se tornar figura carimbada em aniversários e casamentos. Fez, no período, mais de 5 mil imagens. Até o dia que achou ser hora de conhecer as origens dos personagens.
Para a viagem, selecionou sete fotos que seriam entregues a familiares ou amigos escolhidos pelos fotografados, que desde a chegada ao Brasil não retornaram ao Haiti. Marie Viergelie Lucat, 37 anos, uma das escolhidas, há cinco anos deixou o marido e dois filhos.
Além da foto, enviou uma mochila com produtos de higiene pessoal, algumas roupas e poucos presentes. “Quando o filho mais velho de 12 anos viu a foto, ficou estático. Durante uns 10 minutos permaneceu calado, olhando a mãe e acariciando o retrato”, lembra o fotógrafo.
Foram 16 dias em solo haitiano entre agosto e setembro de 2016. Sempre acompanhado do amigo e fiel escudeiro Marthatias, ou “Martha”, percorreu Porto Príncipe e sete outras cidades do interior.
Ficou encantado com a beleza do país, o verde das paisagens, as montanhas, a vida no campo, onde milhares sobrevivem a duras penas e, naturalmente, o mar caribenho. “As praias são de uma beleza indescritível.”
Para conhecer a rotina dos haitianos, Covello ficou hospedado na casa dos familiares de “Martha”. Caminhou pelas ruas dos bairros, andou de transporte coletivo, os Tap-taps, caminhonetes adaptadas para o transporte de passageiros, conversou com os moradores e procurou se comportar como um local.
Como bom brasileiro, jogou futebol em um campo improvisado cercado por árvores à beira de um quase precipício. Aliás, no Haiti, o esporte foi responsável por transformar o Brasil em paixão nacional.
Nesse jogo, conheceu Ronaldo, um espigado, intrépido e rápido garoto de 12 anos, nascido em 2004, justamente quando a Seleção Brasileira foi disputar uma partida de futebol no país. O nome, como não poderia deixar de ser, é uma homenagem ao “Fenômeno” Ronaldo Nazário.
“Eles têm uma incrível força de vontade. Apesar de todas as dificuldades, acreditam e sonham com um país melhor”, afirmou Covello. A religião com seus sincretismos, notadamente o vodu, uma ramificação das tradições africanas, tem forte influência sobre a população.
O retrato da fé e da esperança pode ser visto nas manifestações religiosas, quando os frequentadores levam o passaporte para ser abençoado. “O desejo de qualquer cidadão é sair do país para conseguir emprego. Eles têm consciência de que, no curto prazo, pouco vai acontecer.”
“Blanc”, como Covello era chamado no Haiti, retornou com o sentimento de dever cumprido. Mostrar o Haiti devastado de uma nova maneira, mas não destruído, era uma espécie de missão. “Se lá a pobreza vai além dos limites que estamos acostumados, a população, cheia de dignidade, resiste e caminha.” É a irrefreável vontade de viver.