Morto em 4 de fevereiro de 1988, ele faz uma falta danada neste Brasil em que vivemos
Por Helvídio Mattos , compartilhado de Ultrajano
Em um dos primeiros anos da década de 1980 fui pautado pelo Roberto Camargo, chefe de reportagem do jornalismo da TV Cultura, para uma matéria dedicada ao Dia das Mães. Para fugir da mesmice, tinha que entrevistar uma babá, a mãe de um árbitro de futebol e a dona Maria, mãe do quadrinista, cartunista e jornalista Henrique de Souza Filho.
Na época, fazia muito sucesso a correspondência que o filho remetia para a mãe com um conteúdo que revelava o que acontecia no Brasil do final da ditadura militar.
Cartas da Mãe eram publicadas na revista Isto É e em alguns jornais. Também virou livro e peça de teatro.
É possível dizer que dona Maria era a mãe mais famosa do país.
A entrevista se deu no apartamento do bairro de Higienópolis e contou com a participação do filho dela, Henfil.
Foi a primeira e única vez que estive frente e frente com ele.
Pena que não me lembro quase nada daquele dia. Mas, sem dúvida, foi uma entrevista marcante.
Quarta-feira passada (2) estive novamente muito próximo de Henfil, ao entrevistar o filho dele, Ivan.
O assunto, claro, era a obra do pai, os personagens criados por ele, as charges esportivas e a luta incansável pelas liberdades democráticas.
Ivan me falou da paixão de Henfil pelo futebol e das inspirações que o levaram a criar novas mascotes para Flamengo, Vasco da Gama, Fluminense, Botafogo e América.
Sempre ouvindo a voz dos torcedores, Henfil deu vida ao Urubu do Rubro-Negro, ao Bacalhau vascaíno, ao Pó de Arroz do Tricolor Carioca, ao Cricri botafoguense e ao Gato Pingado do Ameriquinha.
O curioso, segundo Ivan, é que apenas os torcedores do América reclamaram da nova mascote, que brincava com a pequena torcida americana.
As torcidas de Vasco, Fluminense e Botafogo não só aceitaram como embarcaram na viagem, mesmo sabendo que o criador era assumidamente torcedor do Flamengo.
O Urubu é uma história à parte.
Conta Ivan que era de urubu que os torcedores adversários xingavam os flamenguistas negros.
Para dar um basta, durante um Flamengo x Botafogo no Maracanã, alguns rubro-negros jogaram um urubu no gramado, para delírio de toda a torcida.
O fato deu um estalo em Henfil, que estava na arquibancada. No dia seguinte, o Urubu rubro-negro estampava a primeira página do Jornal dos Sports.
Ainda segundo Ivan, foi Henfil o incentivador para que os torcedores levassem bandeiras dos clubes para o estádio e também quem deu a ideia de as torcidas criarem pequenas baterias semelhantes às das escolas de samba.
Para além do futebol, minha conversa com o filho do Henfil passou pela Graúna, de acordo com Ziraldo a única personagem mulher, negra e nordestina da literatura brasileira; pelo capitão Zeferino, que representava o povão; e pelo Bode Orelana, intelectual que comia livros e revistas para assimilar o que eles continham.
Tinha também Ubaldo, o Paranoico, cidadão que desconfiava de tudo, inclusive da abertura política e do fim da ditadura.
Outro personagem famoso que deu muito o que falar é Cabôco Mamadô, espécie de administrador do Cemitério dos Mortos Vivos.
Através do personagem, Henfil enterrava aquele que desse um vacilo e se mostrasse conservador demais, se curvasse diante do opressor ou tomasse uma atitude de elogio à ditadura.
Cabôco Mamadô não poupava ninguém, fosse cantora famosa, membro da Academia Brasileira de Letras ou jogador de futebol.
Perguntei a Ivan se 40 anos depois o Cemitério dos Mortos Vivos faria sentido hoje no país do Bolsoasno.
Preciso escrever o que ele respondeu?