Hermeto Pascoal, o Bruxo dos Sons, tem sua magia na criação musical

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A criação musical tem a sua parcela de magia, e é nesse limiar que vive Hermeto Pascoal, não à toa apelidado de Bruxo dos Sons

Por Eduardo Viveiros, compartilhado de Revista L’oficiel




Hermeto Pascoal – Foto: Gabriel Quintão / Divulgação.

Apesar de cada vez mais ser tratada como objeto, comercial e descartável pelos algoritmos dos streamings que cultivam ouvintes com pouca capacidade de atenção, a criação musical tem a sua parcela de magia. É nesse limiar que vive Hermeto Pascoal, não à toa apelidado de Bruxo dos Sons. Saiba mais! 

Multi-instrumentista autodidata que acaba de completar 88 anos, Hermeto Pascoal carrega, nas abas do costumeiro chapéu, uma carreira tão única quanto a sua sensibilidade – esparramada por dezenas de álbuns, milhares de músicas, apresentações respeitadas pelo mundo, uma biografia recém-lançada e, agora, uma exposição de respeito.

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Hermeto Pascoal – Foto: Gabriel Quintão / Divulgação.

A última gravação, “Pra você, Ilza”, é uma carta de amor à esposa da vida, falecida em 2000, com quem viveu por 46 anos. Hermeto é bom em palavras: sentar-se com ele é um daqueles privilégios raros de ouvir alguém que sabe falar com graça e franqueza, além de um aparentemente eterno bom humor. Contudo, curiosamente, escolheu a música instrumental para se expressar. Talvez porque, no fundo, saiba que palavras e melodias são meras variações sonoras da mesma abstração. “Acho que tudo é música. Ninguém consegue me provar o contrário, nunca conseguiu”, explica. “Para mim, a criação é como a respiração. Não cansa. Se não crio, fico parado e não existo. Esperando algo que não sei, mas sinto. Tenho certeza de que algo vem, dentro da minha maneira de ser que é dentro da música. Ou de outras coisas que possam parecer também ser música.”

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Hermeto Pascoal – Foto: Gabriel Quintão / Divulgação.

Fato é que o ato compositivo faz parte da vida de Hermeto desde… Sempre. “Quando era criança, não havia instrumentos e eu fazia os meus. Aos oito anos, já organizava o baile. Gostava de, andando pela estrada, pegar um talo de mamona e cortar com uma faca para fazer uma flautinha. Ainda bem que eu morava no mato”, relembra o alagoano, que só foi parar na cidade grande aos 15 anos, quando se mudou para Recife. Eram os anos 1950, época em que tocava nas rádios locais. Na década seguinte, já dividia o palco com Edu Lobo, era parceiro do casal Airto Moreira e Flora Purim e gravava com Miles Davis. O resto, é história.

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Foto: Gabriel Quintão / Divulgação.

Sua inspiração sempre foi 100% intuitiva, resultando em um estilo que muita gente encaixaria na cota de um certo free jazz –, mas que ele prefere chamar de “Música Universal”. “A teoria dificulta demais as coisas, especialmente as mais lindas que a pessoa possa ter, que é a sua maneira de experimentar para criar. A criatividade é muito mais fácil. E o que é o sentir? É ver as coisas com a alma, superando o que é físico”, diz. “Gosto justamente de não premeditar. Nunca digo ‘isto é assim’, pois, se disser, aquilo deixou de ser na mesma hora em que disse. Já vira mentira. Por isso chamo de ‘Música Universal’. Porque eu pego os meus instrumentos e saio tocando.”

“É COMO VENTO, a MINHA INTUIÇÃO. VOCÊ NÃO SABE a QUANTIDADE de VENTO QUE VEM. É de SURPRESA. A MÚSICA é UNIVERSAL, POIS é JUSTAMENTE SOBRE a LIBERDADE de SER PARA TODOS NÓS. ELA ESTÁ AÍ PARA QUEM QUISER TOCAR do SEU JEITO, PARA DANÇAR, à VONTADE”

Hermeto é assim, já conhecido nos circuitos por não chegar às coxias com setlists ensaiados e redondos. “Se souber antes como vai ser um show, não preciso mais tocar”, dispara. Sua música universal não só não segue receitas como vem, bom… do universo. Algo difícil de estabelecer, mas não para ele: “É como o vento, a minha intuição. Você não sabe a quantidade de vento que vem. É de surpresa. A música é universal, pois é justamente sobre a liberdade de ser para todos nós. Ela está aí para quem quiser tocar do seu jeito, para dançar, à vontade”. Tanto não há prescrição que essa inspiração atmosférica já colocou o compositor fazendo músicas com canos e berrantes, coros de sapos e porquinhos de borracha, assoprando copos d’água ou na broca do dentista. No universo, vale tudo. “Não é preciso tocar um instrumento convencional para dizer que é músico. Tem muitos músicos que são mais músicos do que muita gente que toca, na sua maneira de ver as coisas”, define. 

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Hermeto Pascoal – Foto: Nikita Van Hunnik / Divulgação.

Essa designação de completude faz esparramar a cabeça harmoniosa do criador para além das sonoridades, derramando-se em objetos físicos. É o que mostra a exposição “Ars Sonora Hermeto Pascoal”, em cartaz no Sesc Bom Retiro, em São Paulo, até 3 de novembro de 2024. Para quem conhece o Bruxo só através da música tocada, vai-se surpreender com o quanto ela abraça suportes dos mais variados – revistas de bordo, cadernos, assentos sanitários, chaleiras. Enfim, sem limites.

“PARA MIM, A CRIAÇÃO É COMO A RESPIRAÇÃO. NÃO CANSA. SE NÃO CRIO, FICO PARADO E NÃO EXISTO”

No que o curador da mostra, Adolfo Montejo Navas, define como “uma pulsão enorme de preenchimento”, Hermeto criou um hábito de fazer partituras e notações musicais no que via pela frente; reunindo assim um sem-número de obras que agora ganham reconhecimento merecido como pieces d’art. “Pelas turnês ou em casa, ele vai pescando tudo o que se move ou que passa pelas suas mãos. Qualquer superfície é válida”, diz Navas, para quem o critério de seleção foi “milagroso”. “Esse acervo, reunido durante décadas, é quase uma caixa de Pandora. São tantas as coisas acumuladas, algumas se escondendo dentro das outras. Mas é uma escolha mais ou menos fácil, dada a diversidade que Hermeto pratica”, pontua.

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Foto: Everton Ballardin / Divulgação.

“Ars sonora” reúne um tanto de exemplos desses artefatos, tornados tão extratemporais quanto a música, cobertos por enredos musicais e pelos desenhos multicoloridos que as acompanham, confundindo o limiar entre composição e artes plásticas. E faz um resumo da trajetória do artista – abrindo acessos ao livro de partituras “Calendário do Som”, que foi publicado em 2000, e reúne uma composição para cada dia do ano –, à videoperformance “Brincando de Corpo e Alma” (2012), assim como a roupa que Hermeto usou ao receber o título Honoris Causa, sete anos atrás, em Boston (Estados Unidos) – sim, também de corada com música no tecido. “É uma exposição singular, pois ele faz as coisas sem temporalidade, não há uma cronologia. Hermeto funciona em outro calendário, meio perpétuo”, define o curador. Hermeto completa: “Sinto-me cada vez mais criativo. Sou mais rápido do que a criatividade. Quando ela pensa, eu já pensei antes”.

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