Por Claudio Lovato, jornalista e escritor –
O jovem ponta-esquerda (naquele tempo existiam ponta-esquerdas) estava sentado sozinho nas sociais do estádio, lendo uma carta. Entre os dedos da mão esquerda segurava um cigarro (naquele tempo os jogadores podiam ser vistos fumando, até mesmo no estádio). O jogador estava totalmente concentrado na leitura da carta, e o menino imaginou que podia ser uma carta dos pais ou da namorada. O menino tinha 13 anos e só pensava em futebol. O ponta-esquerda tinha 19 e era o grande ídolo do menino.
O menino estava com dois companheiros da escolinha, da sua mesma idade. Depois de cochicharem nervosamente e pesarem os prós, os contras e os riscos (tudo isso tendo durado não mais do que um minuto e meio), eles começaram a descer os degraus das sociais em direção ao jogador, que continuava absorto na leitura.
Então se aproximaram, disseram o nome dele, ele interrompeu a leitura da carta, bateu a cinza do cigarro e recolheu as carteirinhas de presença, uma a uma, e a caneta que um dos meninos lhe dera, e pôs seu autógrafo nas capas internas e as devolveu com um sorriso quase imperceptível e um balançar de cabeça mais imperceptível ainda. E eles disseram um “obrigado”, seguido do nome do jogador, em um volume de voz mais alto do que era a intenção deles, e começaram a subir as escadas, cada um com o seu troféu bem guardado no bolso ou na mochila, e foi assim que o ponta-esquerda, que já era um ídolo deles, passou a uma condição ainda mais importante, à categoria de herói com quem eles tiveram um momento de proximidade e interação real, um herói que escreveu seu nome num pedaço de papel que era deles, só deles, um ato que não significou absolutamente nada para mais ninguém neste mundo, mas que para eles foi demais, foi uma experiência transcendental, nada menos que isso.