Hey, anos 80!

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E o doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, da coluna “A César o que é de Cícero”, foi passear com a família no CCBB – Centro Cultural do Banco do Brasil, no Rio. O cronista fala de uma exposição dos anos 80, década que já foi chamada de “perdida”, mas que hoje já acham alguma coisa nela.

Vou dar meu pitaco costumeiro aqui e (Toca, Raul) indicar no final do texto vídeo com Raul Seixas cantando “Hey, Anos 80”, dele e de Dedé Caiano. Hey, anos 80 \ Charrete que perdeu o condutor \ Hey, anos 80 \ Melancolia e promessas de amor (Washington Araújo).




Fomos hoje ao CCBB (não confundir com Cícero César Sotero Batista!) para conferir a exposição sobre os anos 80s. Sinceramente, para a minha frustação, as obras ali não me pegaram. Não sei se porque minhas expectativas eram altas demais para as obras da amostra, não sei se por outro motivo.

Bem, há um motivo forte, uma cena, uma ocorrência, que quase estraga o passeio. Durante a ida, na Avenida Brasil, testemunhamos uma abordagem policial digna de cinema. para encurtar a história, digamos que uma viatura do tipo pick-up com cerca de dez policiais militares de fuzil mandou encostar um carro de passeio. Assim do nada. E aí ficamos esperamos o confronto. Que não ocorreu, para nossa sorte. Ou melhor, graças ao efeito surpresa dos policiais ao abordarem o carro suspeito.

Depois de um tempo parado processando a informação, passei pela esquerda, invadindo a seletiva dos ônibus amarelinhos. Pude ver que os caras eram meio suspeitos, sabe? Mas afinal, como reconhecer um suspeito? Quem quer que fossem, foram enquadrados.
Enfim, enfim. Vamos voltar à exposição?

Gostei de um quadro que chamarei de “verde negro”, espécie de poema concreto em que a palavra verde vira o verbo ver sendo conjugado no presente simples do indicativo . E aí se fica entre ver a cor e a musicalidade concreta do poema, que se parece com um daqueles de Arnaldo Antunes. Em suma, o quadro me chamou a atenção porque talvez pude decodificá-lo, colocá-lo em jogo com as referências de que disponho sobre as relação entre artes visuais e música popular. Eu, malucamente, fiquei fazendo uma melodia para o poema.

Também gostei de ver um vídeo do Ailton Krenak novinho pintando o rosto de uma tinta preta. Isso ocorreu, creio, à época da Constituinte (1987, 1988?). O gesto de Krenak era de uma radicalidade terrível, de um chamar a atenção para a causa indígena de uma maneira agressiva, heróica. E era um tempo em que se a gente via tevê.

Também gostei de uma obra chamada “Iemanjá hipocondríaca”. O centro da tela é ocupado pela imagem de uma Iemanjá meio sereia. Ao redor da imagem, colaram-se diversas cartelas de remédios. Quer dizer, uma assemblage. O quadro me chamou a atenção porque, passados quarenta anos, os anos 20 de século XXI me parecem ser ainda mais hiponcodríacos. Tomamos remédios demais. Talvez a cura esteja em outro lugar, em outra relação com a vida social, com o desejo, com as expectativas. Ou talvez na farmácia mesmo.

Por derradeiro, gostei mais do texto sobre a canção “O tempo não pára” do que propriamente da exposição em si. Curiosamente, para mim, os textos verbais me levaram a uma reflexão maior do que as obras visuais (instalações, pinturas, vídeos etc.). Se não me engano, o texto falava do “museu de grandes novidades”, que nos remete à efêmeridade dos novos tempos em que tudo parece um tanto descartável, obsoleto.

Fora da exposição central, vimos outra da qual gostei muito e mais. Era sobre um pintor menor, nordestino, autodidata e praticamente desconhecido entre nós. Antonio Carlos Rosená, a quem chamam de brutalista. Não sei o que significa direito tal expressão, já a vi sendo usada para designar obras de arquitetura.

Entretanto, senti-me bem com aquelas obras: pareceram-me uma expressão da pintura de si, quer dizer uma espécie de autobiografia ou de instantâneos da realidade – não é mera coincidência que A.R.L. (era assim que ele assinava) teve estúdio de fotografia.

Quer dizer, o sujeito fez de seu ganha-pão uma técnica sutil que hoje entre nós é praticamente esquecida. E disso ele muito se orgulhava. Porque ao dominar uma técnica, ao ter o seu próprio negócio, ele podia bater no peito e dizer de si mesmo que não era um sujeito qualquer, invisível (no sentido de apagado). Era, por assim dizer, notável.

Mas o melhor dos momentos, o que vale o texto, foi ver Cecília soprar bolhinhas de sabão em uma das entradas do CCBB. Houve uma oficina e Cecília não se fez rogada. Em um dia de sol ameno como foi o deste domingo, a imagem da minha filha de vestido vermelho a soprar bolhinhas de sabão deve retornar um dia no cineminha dos meus olhos, em meio a um estúdio de fotografias em cuja parede se vê uma sereia arrodeada de cartelas de remédios.

Os policiais, seus fuzis, os suspeitos, a Avenida Brasil, tudo isso fica de fora. Se aparecerem, eu os raspo da memória com a técnica do photoshop.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019),  Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

Hey, anos 80
Charrete que perdeu o condutor
Hey, anos 80
Melancolia e promessas de amor
Melancolia e promessas de amor

É o juíz das 12 varas
De caniço e samburá
Dando atestado que o compositor errou

Gente afirmando
Não querendo afirmar nada
Que o cantor cantou errado
E que a censura concordou

Gente afirmando
Não querendo afirmar nada
Que o cantor cantou errado
E que a censura concordou

Hey, anos 80
Charrete que perdeu o condutor
Eu disse: Hey, hey anos 80
Melancolia e promessas de amor
Melancolia e promessas de amor

Hey… Abram alas
Ahí vien’ los años ochenta
Ahí mamacita, ui

Hey, anos 80
Charrete que perdeu o condutor
Hey anos 80
Melancolia e promessas de amor
Melancolia e promessas de amor

Pobre país carregador
Dessa miséria dividida
Entre Ipanema
E a empregada do patrão

Varrendo lixo
Prá debaixo do tapete
Que é supostamente persa
Prá alegria do ladrão

Varrendo lixo
Prá debaixo do tapete
Que é supostamente persa
Prá alegria do ladrão

Hey, anos 80, que barato
Charrete que perdeu o condutor
Eu disse: Hey, anos 80
Que esperança
Sonho de um sonhador

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