“A todos os moradores diferenciados do Centro Expandido de São Paulo – exceto aqueles que fiquem abaixo do Minhocão, ao sul da Rebouças, a oeste da Faria Lima e ao norte da Pacaembu, às armas!

Somos cidadãos pagadores de todos os impostos escorchantes que essa Prefeitura nos impõe. Somos pessoas decentes, limpas, perfumadas, e que tratamos nossas domésticas com toda a consideração, desde que a gente não precise lembrar do nome ou deixar comer na mesma sala. Somos cidadãos conscientes de nossos deveres. Basicamente, como somos ricos e pagamos mais impostos do que todo mundo, todos nos devem. Somos atuantes na proteção do meio-ambiente, e a praça Buenos Aires é a maior prova do nosso compromisso com a preservação das florestas na cidade. Somos cidadãos preocupados com o país, tanto que estamos dispostos a votar num estrangeiro de Minas que vive no exílio do Leblon, tudo pelo bem da pátria.

Vivemos ilhados, isolados, sem possibilidades de comunicação com as demais comunidades de iguais em diferentes partes da cidade, por conta da política de isolamento imposta pelo Opressor. Apesar de sermos bastante hábeis na condução de nossos veículos por terra e por ar até o aeroporto de Guarulhos, de onde viajamos diretamente para a República Irmã da Grande Miami, nunca descobrimos como se faz para atravessar um corredor de ônibus. Essas obras maléficas nos mantém aqui, aprisionados, e a tudo suportamos em silêncio, até agora. Na verdade, o silêncio vem do fato de que não compreendemos a língua falada no resto da cidade, que nos soa incompreensivelmente parecida com a Língua Geral. Nós, como todos sabem, falamos somente inglês de Oxford e o Português de Lisboa, na versão de 1775.

Nosso Salvador, a.k.a Paulo Salim Maluf, foi tirado injustamente do poder antes  de completar a sua Obra e cercar o bairro de viadutos que fariam os demais paulistanos passar diretamente com seus carros por sobre nós, deixando-nos em paz para praticarmos o nosso estilo de vida como o entendemos

Agora, o Ditador que vive lá no distante Centro da cidade, uma região que não conhecemos, e que não nos compreende, tenta impor o insuportável. Vias de cor vermelha, com todo o significado subliminar da mensagem, pelas quais ciclistas, quaisquer ciclistas, poderão passar livremente pelo nosso território.

Não, não, não. Até aqui fomos.

Enviamos uma delegação até a sede do governo inimigo para negociar: se ao menos as ciclovias fossem limitadas a ciclistas com bicicletas Jamis, Bianchi, coisa de gente de bem. Se ao menos as bicicletas to Itaú fossem Personnalité, aceitaríamos a nova imposição, ao menos até a vinda do Redentor, porque um dia Fernando Henrique voltará.

A resposta foi um sonoro não. Qualquer um capaz de pedalar poderia passar livremente pelo nosso território.

Não mais. Nunca.

Formamos batalhões, organizamos mantimentos, vestimos nossos pijamas de guerra e ocupamos as barricadas. Nossos suprimentos são infindáveis, ao menos enquanto durarem os estoques de Pata Negra e Pellegrino. Nossa disposição é firme, e já recebemos apoios vindo de Boca Raton, de partes do Surrey, e da Sociedade Rural Argentina. Nossa República será reconhecida por todo o mundo civilizado e não mais aceitaremos imposições comunistas tais como o casamento civil, o voto universal e o Sistema Métrico. Voltaremos a medir tudo em polegadas, libras, patacões, e, mais importante, alqueires.

Se o resto do Brasil quer ir ladeira abaixo, que vá. Nós estaremos firmes onde sempre estivemos, no topo de nossa pequena montanha irremovível. O metrô foi rechaçado, os botecos de esquina firmemente evitados, todas as diversões permanecem proibidas, e não teremos que lidar com essa ideia insuportável de gente de todas as partes indo e vindo, como se isso fosse natural em pleno século 18.

Nossa luta é justa, e por isso, venceremos.

Palácio do Governo, Shopping Pátio Higienópolis, em XII de setembro do Ano do Senhor de 1914.”

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