Hiperinflação num sistema caindo aos pedaços

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Não passa um só dia sem que eu receba um pedido de ajuda. Não estou falando das crianças e velhos nos semáforos da cidade. Não estou falando das mulheres com seus filhos na porta dos supermercados. Estou falando de escritores, poetas e pequenas editoras.

Por Ademir Assunção, compartilhado de Construir Resistência




Foto ilustrativa da louca e lendária Diane Arbus

Todos os dias chega um pedido para comprar uma rifa, participar de uma vakinha, adquirir um novo volume em pré-venda. Rifa, vakinha, pré-venda de quê? Do novo livro de um autor.

Mas como ajudar se falta trabalho decentemente remunerado? Digo melhor: minimamente remunerado?

Há uma hiperinflação de escritores. De poetas, então, nem se fala. E há escassez de leitores. De leitores com bufunfa suficiente para comprar livros (caríssimos, aliás), nem se fala again.

Sei que oficinas de criação literária são um ganha-pão para escritores e poetas. Mas deveriam parar com isso. Estão iludindo pobres coitados.

A batalha é cruel. Chegar nas grandes editoras é um jogo de sorte e azar. Talento? Em alguns casos. Quem nunca recebeu aquela carta-resposta padrão: “Recebemos seus originais e agradecemos o envio. Informamos, porém, que estamos com nossa programação editorial definida para os próximos dois anos.”?

A absoluta maioria dos escritores e poetas atualmente (inclusive os de comprovado talento e longa ficha de trabalhos prestados à venerável “Literatura Brasileira”) publica por pequenas editoras. Publica, no sentido lato de tornar público? Imprime seus livros, sejamos mais realistas. Em edições de 100 exemplares. Com o compromisso de que a maioria seja vendida no lançamento, entre amigos e parentes. Depois, saem na batalha de conseguir uma resenhazinha num grande, médio, pequeno jornal ou portal. Alguns até se humilham para isso. Quando conseguem, exibem orgulhosamente no Facebook e no Instagram. E nada acontece.

O que acontece? Acontece que estamos vivendo o auge do surto capitalista. Sim, um sistema surtado, em que um jogador de futebol fatura 100 milhões de euros por ano (ou mais) enquanto ¼ da população mundial não tem o que comer. Um sistema em que dois milionários disputam qual deles consegue mandar um foguetinho tripulado para o espaço enquanto mais ¼ da população mundial tem o que comer hoje mas não sabe se terá amanhã. E por aí vai, nessa agonia de um sistema que ninguém sabe quanto tempo durará ainda. 50 anos? 100 anos? 200 anos? Quem sabe? O fato é que morrerá. Ou morreremos todos, tornando o planeta um deserto inabitável.

Mas voltando a nós (vou me incluir nessa, para não dar a impressão de que só estou falando dos fundilhos alheios), veneráveis escritores e poetas: a maioria que não possui uma profissão de verdade – médico, advogado, professor universitário, jornalista, etc – se segura como pode. Nos esforçamos no Facebook e no Instagram para manter a imagem de que nossas vidas profissionais estão deslanchando, somos só sorrisos, mas, no fundo, sabemos que o bicho tá pegando. E pegando bravo. Um ou outro às vezes consegue furar a fila e embarcar na classe econômica rumo à Feira de Frankfurt. Mas, na volta, é aquele mesmo sufoco para pagar as contas no fim do mês.

É duro e triste dar a letra na real do real, eu sei. Mas, me digam: estou mentindo?

Ademir Assunção é poeta, escritor, jornalista e letrista de música brasileira. Autor de livros de poesia, ficção e jornalismo, venceu o Prêmio Jabuti 2013 com A voz do Ventríloquo

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