História de um cachecol que encontrou um pescoço

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E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva a Barcelona, ou melhor a um cachecol de um dos maiores clubes do mundo, que tem a cidade da Catalunha como nome.

Não coloco meu pescoço em risco para contar quem é o W desta história e nem o M. aliás, WM é a tática 3-2-2-3, formada por três defensores, dois meio-campistas recuados, dois meio-campistas avançados e três atacantes, fazendo um desenho de um “W” no ataque e de um “M” na defesa. A tática foi criada pelo técnico inglês (e professor de geometria) Herbert Chapman, do Arsenal, de Londres….




Iiiii, voltemos a Barcelona e ao cachecol que chegou a Nilópolis. César coma bola. Ou melhor: com o cachecol. (Washington Araújo).

Há quem colecione toda a sorte de souvenires ligados a futebol. É uma loucura? Não sei se devo me meter, pois de perto da bola ninguém é normal. Não é que alguém que eu conheço se dedicou a colecionar cachecóis? E foram tantos ao longo de tantos anos que nem mesmo o retorno à Era Glacial tornaria possível o uso de todos eles.

Não são assim os colecionadores? Mas pode ocorrer algo parecido a uma linha de passe, a despeito de toda a capacidade de retenção de um colecionador. Que nos sirva de exemplo este cachecol do Barcelona, detentor de uma história toda particular que iremos acompanhar a partir de agora. Certa feita, o grande W foi obrigado pela esposa a se desfazer de alguns cachecóis. Via-se que a situação exigia uma decisão rápida e difícil. Não se podia pedir última forma. Era para rachar.


Foi por um sorteio padrão Copa do Mundo de chaveamento que ele se desfez de um azul-grená do Barcelona. Original, comprado na loja do Camp Nou. Restou o do Manchester United, aquele da época do Cantona, que deve valer uma fortuna.


E agora o que deveria ser feito? Mister M, grande figura, trouxe a solução como num passe longo de mágica. Que tal doar o cachecol a um pequeno amante de futebol? W não respiraria mais aliviado, sendo sabedor que aquela beleza estaria em boas mãos, quem sabe de quando em quando em um bom pescoço?


Assim foi feito. Lá se foi o Mister M com aquele cachecol delicadamente bordado, com franjas em cada ponta. Parecia até um dos reis Magos.


O menino que recebeu o inusitado presente era Barça de carteirinha, o que significava, para início de conversa, que o Real Madrid era seu arquiinimigo. E ele era fã não só de Messi, mas também de Ronaldo, de Ronaldo Fenômeno, de Rivaldo, de Romário, de Maradona e de Romerito, para ficar com os Ms e os Rs.


Ah, que situação engraçada esta a do futebol mundial. Antigamente, bastava ao sujeito torcer por um time brasileiro; e, em geral pesava na escolha o time do pai ou da família. Podia acontecer que o time escolhido, embora não sendo aquele para o qual torcesse a família, fosse um timaço de dar gosto de ver. Era uma pecadilho, mas passava.

Mas hoje em dia o torcedor-mirim não se sentirá plenamente realizado se, além do seu time de coração, não acompanhar pelo menos uns cinco campeonatos europeus, com seus pontos corridos e seus mata-matas, seus jogadores de quatro costados e de todos os continentes. Assim, o torcedor poder ser tricolor carioca, no Brasil; Barcelona, na Espanha; Napoli, na Itália; Bayern, na Alemanha; Benfica, em Portugal; Manchester United, na Inglaterra. E pela Europa vamos.


Mas é aqui que a história recomeça. Em um dia muito frio, o pai do menino, professor, pegou o cachecol e resolveu sair por aí fantasiado de torcedor europeu. Antes, olhara-se três vezes no espelho e, depois de um breve julgamento íntimo, suspendera suas desconfianças. Não parecia ridículo; pelo contrário, fazia tempos que não parecia tão elegante a si mesmo. Entrou no carro torcendo para que o frio continuasse. Porque, convenhamos, o uso de um cachecol, ao contrário de um gorro, implica um tempo frio que o justifique.


Chegou à escola crente que iria abafar, mas qual o quê! Os adultos não acharam nada demais no cachecol azul-grená. Nem ao menos sabiam de qual time era. Se repararam, nada disseram. Enfim, para todos os efeitos, era invisível aquele algo que não era melancia em torno do pescoço do professor.
Mas as crianças ficaram loucas. Os meninos futebolísticos fizeram muitas perguntas que só poderiam ser respondidas por intermédio de jogadas de efeito e firulas.

O professor, mentindo bastante e com muito gosto, disse, entre outras botinadas, que com aquele cachecol ao redor de seu pescoço. tinha assistido a uma vitória do melhor Barça de todos os tempos em Barcelona.


Vingou-se de todos os professoraços indiferentes ao cachecol. Saiu de cabeça erguida como quem sai depois de uma bela vitória aplaudindo a galera. E, salvo engano, quando retornou a seu domicílio, colocou o cachecol no lugar.


Mas qual é o lugar do cachecol? Aí a notícia carece de exatidão.
Hipótese 1: O cachecol se encontra protegido, enfiado em alguma gaveta secreta do guarda-roupa entre flâmulas, figurinhas, shorts, chuteiras e meiões azuis.
Hipótese 2: Quem pensa em usá-lo uma próxima vez é a menina, a irmã com quem o meninão divide o quarto. Na semana que vem, ela irá a uma festa à fantasia e usará o cachecol para incrementar o seu Harry Potter.


Já ganhou! Já ganhou! Pois é, todo mundo sabe que, apesar dos pesares, o futebol ainda tem muito de magia. Que venha o confronto entre Barcelona e Hogwarts.

Sobre o autor

Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.

Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.

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