Histórias de futebol (e de vida)

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Por Claudio Lovato, publicado no Museu da Pelada – 

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Foi isto o que o destino me reservou: ser o cara que apaga a luz e tranca a porta.




O último a sair.

O coveiro.

Meu pai foi presidente deste clube duas vezes. Com ele, este clube deixou a obscuridade e permitiu que seus torcedores sonhassem.

Mas os que vieram depois do meu velho não souberam manter a chama alta. Não conseguiram sequer mantê-la acesa.

Então, me chamaram, e eu – o idiota presunçoso – não consegui dizer não. Quis honrar a obra do meu pai, dar sequência ao que ele fez. Mas quem sou eu?

Eu sou apenas o cara que vai apagar a luz, trancar a porta e jogar a chave fora.

O último funcionário do campo da morte.

Foi o que o destino me reservou.

Vou entrar para a história como o cara que não conseguiu.

Acabou.

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Os dois homens estão sentados lado a lado na arquibancada do velho estádio. Acabaram de ver seu time perder mais uma.

O homem mais jovem aponta para um torcedor que está alguns degraus abaixo, rasgando a bandeira do clube. Um companheiro se aproxima dele e o impede de completar o que estava fazendo.

O homem mais velho diz ao mais jovem:

– Um daqueles dois apenas perdeu; o outro foi derrotado.

O mais jovem pergunta:

– Quando sabemos se perdemos ou se fomos derrotados?

– Quando temos dúvida entre uma coisa e outra, então fomos derrotados! – o mais velho então diz.

********

Eles se casaram quando ele tinha 23 anos e ainda disputava a titularidade no time pelo qual, menos de dois anos depois, se sagraria campeão continental.

Conheciam-se desde a infância, vizinhos no bairro onde nasceram e onde seus pais nasceram e onde os pais de seus pais nasceram.

Ela disse:

– Vou com você aonde tiver que ir. Vou estar sempre ao seu lado.

E ele respondeu:

– Não tem nada mais importante pra mim.

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Hoje, exatos 30 anos depois, estão comemorando o aniversário de casamento jantando no restaurante preferido deles.

Ele não conseguiu abandonar o futebol. Em suas palavras, ajuda “uns garotos que estão começando”. Não gosta de ser chamado de empresário. Não se vê como tal. Quer ajudar os garotos do mesmo jeito que um dia foi ajudado, de um jeito que fez toda a diferença.

E ela… Ela continua com o mesmo brilho no olhar, e a mesma sabedoria serena que ao longo do tempo assegurou que a vida deles, apesar dos percalços inevitáveis a qualquer habitante deste planeta – solteiro ou casado -, fosse essencialmente aquilo que eles sempre quiseram que fosse.

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 Foto: Ricardo Chaves/Agencia RBS

Foto: Ricardo Chaves/Agencia RBS

Manoelzinho sabe sonhar.

Tem 12 anos e quer ser jogador de futebol.

Manoelzinho é filho de Etevaldo e Vera. São três filhos. Manoelzinho é o mais novo, temporão. Carmen Lúcia e Gilson, os mais velhos.

Os irmãos, volta e meia, trazem para casa algum presente para ele. Sempre alguma coisa relacionada ao futebol: um chaveiro, uma revista, um adesivo, uma caneta.

Manoelzinho sempre fica muito feliz quando recebe um presente desses, e então sonha mais alto e mais forte.

Então se vê mandando uma bola, de canhota – sempre de canhota! – lá na rede, no contrapé do goleiro. E se vê correndo para a torcida, que o adora como a nenhum outro antes ou depois.

Manoelzinho é rei em seu quarto, seu quarto que é seu estádio, e ele, sequer por um segundo, deixa que seu problema – “distrofia”, palavra que ele ouviu seus pais repetirem aos sussurros mais de uma vez -, atrapalhe as coisas. Não mesmo.

Porque ele aprendeu que não existe a menor chance de alguém ser feliz nesta vida sem sonhar.

Ele aprendeu que sonhar é o que leva à liberdade, ao tipo de liberdade que mais interessa.

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