Homenagem ao vinho nacional, por Andre Motta Araujo

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Por Andre Motta Araujo, compartilhado de Jornal GGN – 

O Brasil não se orgulha de seus vinhos, não os defende, não os promove. É um traço curioso de mau caráter nacional, pequeno, mas significativo.

Foto Revista Wine

Nas Américas, são cinco países produtores de vinho, Argentina e Chile, grandes produtores e exportadores, Brasil, produtor médio crescente em vinhos brancos e espumantes, Uruguai, pequeno produtor especializado e Estados Unidos, grande produtor, mas não exportador, com excelentes vinhos.

Na Europa grandes produtores e exportadores, Portugal, Espanha, França e Itália, um produtor especializado, Alemanha, produtores regionais tradicionais Hungria, România e Rússia, pequenos produtores Croácia,  Eslovenia e Grécia, no Oriente Médio pequenos produtores Líbano e Israel, na África grande produtor e exportador, África do Sul, produtor marginal de vinhos comuns, Argélia, a França compra para fazer blend nos vinhos de negociante.

No Pacífico, produtores exportadores crescentes, Austrália e Nova Zelândia, esta última com excepcionais brancos como Marlborough.




TODOS os países produtores glorificam seus vinhos nacionais, promovem sua exportação e defendem suas características e qualidades, MENOS um.

O Brasil não se orgulha de seus vinhos, não os defende, não os promove. É um traço curioso de mau caráter nacional, pequeno, mas significativo.

PRIMEIRO PECADO: Nos eventos OFICIAIS, recepções, jantares do Governo Brasileiro o vinho nacional não se apresenta. Na última e vergonhosa licitação de comidas e bebidas para o Supremo Tribunal Federal, sobre a qual escrevi um artigo aqui no blog, exigiam-se VINHOS sem especificar a origem, MAS com, no mínimo, QUATRO premiações internacionais, algo raro para vinhos brasileiros. NOS JANTARES OFICIAIS DE QUALQUER GOVERNO DE PAÍS PRODUTOR SÓ SE SERVEM VINHOS NACIONAIS, como forma de prestígio e promoção de seu produto, MENOS NO BRASIL. Que tal um decreto OBRIGANDO que dinheiro público em almoços e jantares oficiais só possa ser gasto com VINHOS E BEBIDAS NACIONAIS?

Nos Estados Unidos, na Casa Branca, só se servem vinhos da Califórnia, no Eliseu só vinhos franceses, na Moncloa só vinhos espanhóis, no Palazzo Chigi só vinhos italianos, na Casa Rosada só vinhos argentinos, no La Moneda só vinhos chilenos, no Palácio São Bento, só vinhos portugueses e no Itamaraty? Ora, champagne francesa.

SEGUNDO PECADO: O CEO da então maior empresa de construção civil dos EUA veio a São Paulo, fui seu anfitrião, ele queria conhecer os vinhos brasileiros porque era um conhecedor de vinhos e gostava de provar vinhos de novos países produtores. COM UMA EXCEÇÃO, não havia em São Paulo restaurante de nível COM ADEGA SELECIONADA DE VINHOS BRASILEIROS.

A exceção foi o restaurante D.O.M. cujo chef Alex Atalla prestigia produtos brasileiros e tinha na ocasião (2016) excelente adega de vinhos do Brasil. O padrão em São Paulo é oferecer vinhos caros franceses e italianos, depois espanhóis e portugueses, em seguida chilenos e argentinos e, no fundo do porão, para quem quiser gastar pouco, o desprezado vinho brasileiro, considerado vinho de pobres.

Os novos ricos do Brasil consideram chique o vinho europeu e MUITO DIFICILMENTE, eu não conheço nenhum, pedirão um vinho nacional, não fica bem.

OS EXCELENTES ESPUMANTES BRASILEIROS

O solo brasileiro é mais adequado aos vinhos brancos que tintos e MUITO ADEQUADO ao vinho espumante. O Brasil ESTÁ EXPORTANDO em escala crescente vinhos espumantes, já encontráveis com relativa facilidade nos supermercados do Texas. É inacreditável ainda hoje no Brasil se servir nos casamentos, jantares empresariais e demais eventos ESPUMANTES ordinários espanhóis invés de ESPUMANTES brasileiros de muito melhor qualidade.

É o COMPLEXO DE VIRALATA em pleno funcionamento, o desprezo ao produto nacional vem de longe e atinge culturalmente o mundo dos vinhos.

Nos eventos políticos e de governo é vergonhoso não ser OBRIGATÓRIO o vinho nacional, como é em todos os países produtores, mesmo os que tem produtos de pouca qualidade. É uma questão de País, todos devem se orgulhar de sua terra e de seus produtos, EXISTE MUTITO VINHO VAGABUNDO na França, na Espanha e em todo lugar, produzidos exatamente para exportação e para iludir os IGNORANTES DO VINHO, a maior confraria vinícula do Brasil.

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O VINHO COMO DEMONSTRAÇÃO IDENTITÁRIA

Nos anos 60 consumia-se em São Paulo vinhos italianos comerciais, os Chianti empalhados e os Orvieto e Soave, os pesados vinhos portugueses do Dão e os mais comerciais “vins de negociants” de Bordeaux, vendidos na zona atacadista da Rua Paula Souza. Não existiam lojas especializadas, a primeira foi a Casa Prata, na Av.Sto.Amaro. Nessa década comecei a aprender com meu sogro, de origem e formação italiana, noções básicas de adega, quando fui pela primeira vez à Europa, em 1967, ele meu deu uma lista de 6 páginas de vinhos para tomar, adegas na Toscana e restaurantes em Roma com boas cartas.

Passei a cultivar o gosto por vinho e comecei, nessa viagem, a comprar livros sobre vinhos, um deles em 4 volumes com 680 rótulos verdadeiros colados nas páginas. Daí em diante fui formando uma pequena biblioteca enológica que chegou a ter 800 títulos, vendi em bloco no começo dos anos 2000 porque me desinteressei pelo tema. Nessa fase da vida achei muito pequeno e frívolo, guardei de lembrança o Larousse des Vins e mais meia dúzia de títulos.

Foi a partir do governo Collor que passaram a surgir em São Paulo os famosos “enochatos”, ignorantes ricos metidos a conhecer vinhos, um grupo que só aumentou desde então. NÃO SE CONHECE O MUNDO DO VINHO SEM CULTURA HISTÓRICA ANTECEDENTE, esse pessoal finge conhecer, mas não sabe nada, porque o vinho é parte da História e da Geografia e sem uma sólida cultura nessas áreas não é possível completar um bom conhecimento sobre vinhos.

Então os “enochatos” se metem a comentar o que não sabem e, pior ainda, passam a fazer barbaridades com o vinho, gelar vinho tinto. Vi no excelente restaurante MANI, em S.Paulo, um cliente colocar gelo no vinho tinto caro acompanhando um risoto de camarão à provençal, se achando o máximo.

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Em S.Paulo, segundo revista especializada, bebe-se oito garrafas de vinho tinto para uma de branco, quando deveria ser o contrário. O VINHO NATURAL DO BRASIL por tudo, pelo clima, pela culinária, pela tropicalidade de nossa cultura é o VINHO BRANCO, a proporção deveria ser muito maior. O consumo lógico seria muito mais vinho BRANCO do que tinto, mas há uma barreira: os ignorantes do vinho acham o TINTO mais sofisticado, dá mais pedigree e status.

Amigos sommeliers de bons restaurantes se divertem com os clientes novos-ricos boçais, entre eles trocam piadas, tudo lembra Moliére na peça O BURGUES FIDALGO, gente tosca querendo parecer grã-fina, o vinho é um dos caminhos preferidos do burguês fidalgo paulistano, MAS ESTÁ MUDANDO felizmente.

Uma nova geração está pedindo vinho nacional e obrigando restaurantes italianófilos e froncófonos a melhorar sua carta de nacionais, a contragosto.

O vinho, assim como a cerveja, a cachaça e a culinária em geral são manifestações de CULTURA, são identitárias, todo País deve se orgulhar de sua aguardente, de sua comida, de sua cerveja, são símbolos de uma nação, de sua identidade. Pobre do povo vira-lata que despreza seus ícones mais simples.

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