Por Claudio Lovato Filho, jornalista e escritor –
Isto aconteceu muito antes de Gabriel García Márquez se tornar o mito da literatura que viria a encantar gerações mundo afora. Vinha ele, jovem repórter, caminhando pelas ruas do Quartier Latin, em Paris, à caça de seu grande ídolo, Ernest Hemingway, para tentar uma entrevista. Depois de algum tempo de buscas, eis que, finalmente, García Márquez avista o grande escritor norte-americano, vindo em sentido contrário, do outro lado da rua. Na dúvida sobre se deveria se portar como profissional de imprensa ou dar vazão à devoção que alimentava já havia muito, o colombiano fez a sua opção:
“Olá, mestre!”
Disse isso, abanou para seu herói e seguiu em frente, sem abordá-lo. Consta que Hemingway apenas acenou discretamente, surpreso, e também continuou em sua caminhada pelas ruas do bairro no qual se reunia a fina flor da intelectualidade da época.
Assim somos com os nossos ídolos.
Em um de seus livros de crônicas, Bob Dylan escreveu isto sobre Woody Guthrie, o cara que mais o influenciou: “Woody fazia cada palavra ter importância. Ele pintava com as palavras. (…) Era como uma serra circular em meu cérebro, e tentei seguir o exemplo daquilo de todas as maneiras possíveis”. Neil Young (em quem Eddie Vedder, do Pearl Jam, já quis se transformar) sempre foi fã confesso de Dylan e idolatrava Elvis Presley na infância e na adolescência. Mais tarde, compôs canções inspiradas na vida de Elvis, entre elas o clássico “Hey Hey, My My”.
Os exemplos são intermináveis, mas alguns deles dão muito gosto de citar: Martin Scorsese e Glauber Rocha nutriam grande admiração mútua, Paulinho da Viola sempre teve Pixinguinha como uma fonte iluminada, Zico – um dos jogadores brasileiros com o maior número de admiradores, sejam jogadores, sejam torcedores – já revelou que era fã de Cruyff.
Os psicólogos e psiquiatras têm muitas teses sobre as razões de se ter ídolos, de se desenvolver esse tipo de relação com outros seres humanos: projeção, fuga da realidade etc. Quem liga? Eu não. O que eu sei é que, em relação aos meus ídolos – e eu os tenho em várias áreas, do futebol à literatura, da música ao jornalismo –, o que me move, acima de tudo, é um tremendo sentimento de respeito. Respeito pelo que eles fizeram e pelo que inspiraram outros a fazer. Respeito por mostrarem que é não apenas possível, mas essencial, sermos os grandes heróis de nós mesmos.