Empresa fez promoção pontual para tentar frear a onda de greves que se espalhou por sete cidades em outubro
Por Gabriela Moncau, compartilhado de Brasil de Fato
Em Atibaia (SP), os entregadores de aplicativo completavam oito dias de paralisação por melhores condições de trabalho quando, na sexta-feira (22), receberam a notificação de que o iFood – ineditamente – estava oferecendo R$5 a mais por entrega para quem trabalhasse.
Esse foi um dos fatores, conjugado a outros, que fez com que os grevistas de Atibaia encerrassem o breque. “A gente vai voltar a trabalhar hoje”, afirmou Márcio Pereira*, um dos entregadores, na própria sexta-feira (22). “Mas se o aplicativo não continuar com a promoção no decorrer dos dias, a gente vai brecar de novo”, anunciou.
Atibaia foi a sétima cidade, só no mês de outubro, a ter paralisação de entregadores contra os apps de delivery. Junto com Paulínia (SP), os dois municípios tiveram os breques de maior duração da categoria no Brasil. Houve greves também nas cidades de Jundiaí (SP), Maceió (AL), São Carlos (SP), Bauru (SP) e Niterói (RJ).
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As mobilizações tiveram todas as empresas de entrega por aplicativo como alvo, com especial pressão no iFood, a maior do ramo no país. Entre as demandas estão o aumento da taxa mínima por corrida (hoje no valor de R$ 5,31), o fim dos desligamentos da plataforma sem justificativa e também o fim de duas entregas feitas na mesma corrida.
Nenhuma empresa fez qualquer contato com os grevistas, tampouco atendeu suas demandas.
Durante as greves, iFood lança promoção de R$5 a mais por corrida
Ao menos em Paulínia, Jundiaí e Atibaia um padrão se repetiu por parte do iFood. Depois de alguns dias de greve, a empresa soltou uma promoção, que durou apenas algumas horas, oferecendo um extra de R$ 5 por entrega.
No oitavo dia de paralisação de entregadores em Atibaia, iFood lança promoção de R$5 a mais por corrida durante o horário do jantar / Print – Arquivo
Para Guilherme Moraes*, entregador de Atibaia que está se recuperando de um acidente que sofreu em serviço, “o iFood não agiu certo”.
“Lançou essa promoção para que entregadores que não estavam de acordo com a paralisação trabalhassem contra a gente. Para ter um confronto, uma inimizade”, aponta Moraes. “E depois que teve essa promoção, não teve mais nenhuma. Voltou tudo a ser como era antes, entendeu? Não mudou em nada”, descreve.
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Em Jundiaí, o movimento dos entregadores realizou duas denúncias ao Ministério Público do Trabalho (MPT), e a finalidade da segunda foi pedir uma atuação do órgão para investigar e coibir as promoções lançadas pelo iFood, entendidas como atos antissindicais. A argumentação se baseou no Manual de Atuação de Atos Antissindicais do próprio MPT, que faz essa caracterização a qualquer ato que busque “cercear ou dificultar a adesão e o livre exercício do direito de greve”.
Segundo o manual, uma das características de um ato antissindical é, exatamente, o implemento de “prêmio ou qualquer incentivo para incentivar a trabalhadora ou o trabalhador a não aderir ou participar de greve”.
A denúncia, no entanto, foi arquivada, sob o argumento de que já existe uma Ação Civil Pública com abrangência nacional em trâmite, que visa reconhecer o vínculo empregatício entre o iFood e seus trabalhadores.
Eduardo Zamboni, advogado trabalhista que acompanhou a greve e assinou a denúncia, afirma que mesmo se o vínculo não for reconhecido como de emprego, “ainda cabe uma atuação do MPT”.
“O rol de direitos sociais, mais especificadamente o art. 7º e 9º da Constituição Federal, não faz diferença entre empregados e trabalhadores”, expõe Zamboni, ao citar que “um dos pedidos da Ação Civil Pública tem fundamento nesses dispositivos, sendo, portanto, todas as disposições desses atos antissindicais plenamente aplicáveis”.
Sem fazer contato, iFood disse ter chegado a um “consenso” com grevistas
Na sexta-feira (22), mesmo dia em que a promoção foi lançada em Atibaia, o iFood enviou uma mensagem aos comerciantes da cidade informando que a empresa “em conjunto com os entregadores parceiros da região de Atibaia chegaram a um consenso e a greve será suspensa”.
Os entregadores, no entanto, afirmam que não houve contato com eles por parte do iFood e que, portanto, jamais entraram em qualquer tipo de consenso com a empresa.
Em mensagem a donos de estabelecimentos de Atibaia, iFood anuncia a suspensão da greve após suposto consenso entre a empresa e entregadores / Print – Arquivo
“Pura mentira. Não entraram em acordo, não ligaram para nós, linha de frente que estávamos lá”, conta o entregador Altemício Nascimento.
“Eles não têm nem peito para vir fazer uma negociação, conversar, escutar”, opina Moraes: “É uma empresa que realmente joga sujo, eles só pensam neles mesmos”.
O Brasil de Fato tentou contato com o iFood e não teve respostas até o fechamento da matéria.
Douglas Firmino* é dono de um restaurante em Atibaia e foi um dos que recebeu a mensagem do iFood. Ele conta que, apesar do prejuízo dos dias em que ficou sem entregas, apoia a mobilização dos trabalhadores.
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“Não adianta nada a gente ter os motoboys trabalhando insatisfeitos. A pessoa não vai ficar até 23h da noite num domingo de chuva e de frio para fazer uma corrida de 9 km por R$ 6”, exemplifica Firmino. “Para mim, eu sou mais eles trabalhando satisfeitos”, resume.
“As taxas não acompanham a inflação e está tudo caro: gasolina, pneu, tudo. Está muito complicado para trabalhar no dia a dia. E o iFood está ganhando muito dinheiro e não repassa para a gente”, descreve Nascimento, que ressalta: “Agora a gente está se mobilizando para fazer uma greve nacional novamente. Vai parar o Brasil inteiro”.
* Os nomes foram alterados para preservar as fontes.
Edição: Leandro Melito
Foto da capa: Com oito dias de duração, greve de entregadores de Atibaia se igualou a de Paulínia: foram as mais longas da categoria no país. – Henrique Prando