Ignorância ostentação

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Por Danilo Fernando de Oliveira, publicado em Justificando – 

A ignorância é fácil. É cômodo não saber, é cômodo o discurso de que os problemas não existem ou que suas soluções são fáceis, é fácil não aprender

Acredito que nenhum ser humano deva ser chamado de burro. Isso não parece ser uma comparação justa, porque não há como dizer que um burro possa ser ignorante. De burro o homem pode ter a habilidade de deixar-se ser explorado, carregar um peso excessivo para que outros vivam sem esforço. Logo, o humano não pode ser chamado de burro quando lhe falta conhecimento ou quando conhece a realidade de forma distorcida. Mas pode ser chamado de ignorante.

Mas afinal o que é a ignorância? Ignorante é aquele que não sabe sobre algo, não domina determinado tema, ou seja, quem carece de conhecimento.




Pois bem, todos somos ignorantes em algum aspecto, na teoria ou na prática, e um dos objetivos da ciência, um dos motores da humanidade, que nos fez avançar até aqui, foi o combate contínuo da nossa ignorância, enquanto espécie, do funcionamento do mundo, desvendando as razões ocultas e compreendendo os fenômenos por meio da observação e análise.

O sentido moderno de ignorância remete àquele que se recusa a aprender, a buscar o saber, e nega o conhecimento adquirido e acumulado ou aceita algum conhecimento não comprovado sem refletir sobre ele.

Todo ser humano tende a reafirmar suas crenças, e não falo aqui somente de crença no sentido religioso, mas no sentido de visão e opinião sobre o mundo e as pessoas ao seu redor. Mas o que eu acho não pode ser uma crença. O que eu acho não é o que eu sei. O que me dizem e se acomoda ao que eu acho não é necessariamente certo apenas porque reafirma o que penso.

Fui educado no sentido de que vencer a ignorância, aprender e conhecer era algo bom e que deveria admirar pessoas que conhecem muito sobre algo ou um pouco sobre muitas coisas, que saber cada vez mais era um objetivo de vida e nos tornava seres mais preparados para enfrentar e resolver problemas.

Aprendi que todo problema complexo e difícil pede uma solução igualmente complexa e difícil e isso só é possível por meio de esforço intelectual, observação, análise, reflexão e propostas de ação para mudança. Descobri que toda decisão não pensada é perigosa e pode criar novos problemas ao invés de resolver algum.

Mas, de repente, tudo mudou, e vivemos a era da “ignorância ostentação” (termo que ouvi em algum lugar que não me recordo). Louvam e aplaudem o desastre, porque é cômodo não saber, é cômodo o discurso de que os problemas não existem ou que suas soluções são fáceis, é mais fácil ignorar, é mais fácil ser ignorante, é mais fácil não aprender e manifestar-se nos seguintes termos:

“(…) dane-se você que sabe alguma coisa, quero mais é viver sem saber nada, você está errado porque eu acho e tem quem ache o mesmo, e se encher muito a minha paciência eu acabo com a sua incômoda existência. Eu não preciso de mais nada, basta poder odiar e ver o mundo pela tela do meu celular. Deixe-me reclamar eu sempre vou encontrar um culpado pelas minhas frustrações.

Deixe-me ser manipulado por quem diz que me liberta e protege, deixe-me ser gado, bovino pacífico a caminhar feliz para o abate, afinal faz parte, deixe-me morrer, deixe-me acreditar que o mundo é aquilo que a minha mente aceita e não aquilo que meus olhos podem ver e minha carne sente.

Deixe-me gritar, deixe-me matar, deixe-me destruir, deixe-me aniquilar, que me farto e contento com a consequente destruição de mim mesmo num mundo em pedaços. A escuridão é a luz que me guia, o poder sobre o nada e o sofrimento alheio me alegram. Não quero construir nada, destruir é a minha sina, sou o mal fantasiado de bem, o mal que extirpa o humano e tudo de bom e bonito que a espécie já foi capaz de criar.

Ostento sim minha ignorância, mesmo que ela decrete o meu fim e de tudo e todos ao meu redor.”

Não concordo com tamanha insensatez, essa paixão cega pela ignorância e a sua divinização não traz nem promete nada de bom a ninguém. Esse prazer insano e doentio não pode ser a tradução do humano moderno. Temos pessoas para cuidar, problemas ambientais para solucionar, uma vida para viver e sonhos para sonhar e realizar.

Vale a pena sacrificar toda a esperança em favor de um ódio irracional que nos separa uns dos outros e nos torna infelizes e tristes, sem expectativas, destroçados e indigentes disputando violentamente as migalhas que nos sobram? É esse o futuro que queremos? É por isso que tantos esforços foram realizados durante a história? Para chegarmos até aqui e destruirmos tudo, aniquilarmos a nós mesmos e sermos ignorantes o suficiente para não perceber que para o benefício provisório de muito poucos sacrificamos nossa vida e a de quem amamos em toda a sua extensão?

Danilo Fernando de Oliveira é advogado, graduado em Filosofia e graduando em Letras-Português-Inglês.

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