Por Zeca Ferreira, cineasta, morador de Paquetá –
Relato do cineasta, morador em Paquetá sobre o drama em que a Ilha foi enfiada. Sobre a covardia de membros de instituições e sobre a valentia de um povo que luta por seus direitos.
me faltam palavras pra descrever o que acontece aqui, mas vamos lá, de novo:
Estamos, moradores da ilha de Paquetá, há 50 dias de prontidão, em luta contra uma grande empresa, a CCR Barcas (Construtora Camargo Correia, entre outros). Alegando uma dívida bilionária do governo, em um contrato que abarca todas as linhas aquaviárias da Baía da Guanabara, essa empresa conseguiu na justiça o direito de quebrar o contrato de concessão, reduzindo as viagens para ilha em algo como 30% nos dias de semana e 50% nos finais de semana. Sendo esse o único meio de transporte que temos para sair e entrar no bairro, a medida inviabiliza e vida de muita gente que mora aqui e trabalha/estuda no continente. Além de afetar de forma grave o turismo, meio de renda principal na ilha (nesse quesito, após a implementação, as perdas já giram em torno de 60-70% do faturamento).
Depois de muitos atos, reuniões, assembléias, audiência pública, chegou-se a uma solução paliativa: a ALERJ se comprometeu a aportar um recurso que seria o suficiente para garantir o retorno da normalidade nos horários até pelo menos o fim desse ano, período no qual seria elaborada uma nova licitação. O acordo foi amplamente divulgado na imprensa, após uma audiência pública na Assembléia, onde, além do presidente da empresa, secretário de transporte, líder do governo e deputados da frente pelo transporte aquaviário, comparecemos com cerca de 300 moradores.
Ontem, conforme anunciado, aconteceria uma reunião no Palácio Guanabara, onde seria sacramentado o acordo. Juntamos nossos cacos, nossas faixas e cartazes e fomos para lá, na ânsia de comemorarmos o resultado da nossa luta, do nosso esforço, dos nossos 50 e tantos dias e noites de mobilização, organização e dedicação a essa comunidade.
Mas a reunião não aconteceu. Nas vésperas, não satisfeita com uma solução, que apresentava números para cobrir apenas o rombo alegado no transporte da ilha de Paquetá, a empresa, como em um sequestro, pediu um resgate maior e, na reunião de ontem, simplesmente não apareceu. A quantia que, segundo a CCR alega, o Estado lhe deve, gira na casa de 1 bilhão. O valor que precisaria ser aportado para que o trajeto Pça XV-Paquetá operasse fora do prejuízo por 10 meses era de 5 milhões. Ou seja, não significamos nada nessa conta e ainda assim, com a permissão de um juíz, uma empresa está destruindo um bairro inteiro, jogando com a vida de milhares de famílias.
As semanas tem sido de tristeza aqui. Muita gente já se mudou da ilha nesse primeiro mês do ano porque a vida aqui está ficando inviável para quem necessita de uma conexão diária com a cidade. Enquanto escrevo aqui, tento juntar algum fiapo de esperança para que ainda sejamos capazes de impedir que, daqui a algumas semanas, minha filha de 13 anos seja obrigada a acordar diariamente as 4 horas da manhã para poder estudar no centro do Rio.
Deve estar sendo cansativo reler essa ladainha, mas é importante comunicarmos isso pra além dos limites dessa pequena ilha. Porque é um problema que nos afeta como um bairro do Rio, mas é também uma amostra perfeita do que acontece quando, sob a benção do judiciário, a fina camada de proteção social é retirada e nossa vida passa a ficar nas mãos de uma lógica que visa apenas o lucro.
Ontem, exaustos, voltamos para casa na barca das 20:50. O grito que tem nos caracterizado – #respeitaPaquetá – já não queria mais sair. Nos sentíamos envergonhados, desrespeitados, ultrajados. Saí da barca com meu filho no colo e, ainda na rampa da barca, comecei a ouvir o grito, primeiro baixinho, crescendo na medida em que me aproximava da estação. Parecia o mesmo grito de sempre mas não era. Alguns moradores que não haviam ido até o palácio, deixaram suas casas e vieram nos abraçar entoando um novo grito:
#resistePaqueta
É exatamente o que faremos. Porque ainda não terminou.
#respeitaPaqueta
#resistePaqueta
(foto do incrível Guilé Santos)